Das Constituições

O século 20, que se aproxima do fim – pois já estamos na soleira do século 21 – caracteriza-se principalmente pelo surgimento e consolidação de dois Direitos: direitos humanos e direito ambiental.

A partir dos últimos cinquenta anos – nota-se – vem se criando uma preocupação acentuada em torno do meio-ambiente, da proteção às coisas da Natureza, e preservação da vida em suas várias formas – animal e vegetal – fazendo surgir a “Ecologia”, ou, pode-se dizer, uma mentalidade “ecológica”, principalmente no seio da mocidade.

Hoje em dia o Direito Ambiental é uma realidade, existindo não só nas teorias filosóficas, debates acadêmicos e artigos de jornal, mas já se acha compendiado e consta, como matéria oficial, do currículo de inúmeras Universidades.

O mesmo se pode dizer dos direitos humanos, que, muito embora anunciados, proclamados e defendidos há séculos, só recentemente ingressaram no mundo jurídico, adquirindo “status” de patrimônio da humanidade.

Rui Barbosa dizia que a Inglaterra era a Pátria dos Direitos Humanos. Foi lá que no ano de 1679 surgiu o Habeas Corpus, através de Lei (o “Habeas Corpus Act”) prescrevendo que “nenhum cidadão inglês pode ser preso sem investigação judicial”, protegendo-o, por conseguinte, de prisões arbitrárias.

A partir de então o habeas corpus passou do direito inglês para o direito norte-americano, e dalí para o Direito Constitucional de todos os povos civilizados do mundo.

No final do século 18 os norte-americanos, e em seguida os franceses, publicaram como expressão de princípios constitucionais fundamentais as Declarações dos Direitos do Homem e do Cidadão. Esse exemplo foi seguido primeiramente por algumas nações, e, em seguida, pouco a pouco, no curso do século 19 e do século atual, expandiu-se, até formar-se uma “consciência universal”. Tanto assim que, não obstante as mudanças ocasionais na vida dos Estados, segundo as circunstâncias, e causadas pelas vicissitudes sociais, políticas, econômicas e militares, muitas vezes trancados e pisoteados pela violência, os direitos humanos nunca deixam de ressurgir logo depois.

Isso que se observa em tudo quanto é lugar, não poderia deixar de se passar no nosso País. Aqui, desde a Constituição de 1824 – primeira Constituição brasileira – há uma preocupação obsessiva com relação aos direitos humanos.

Não obstante pequenas variações – defesa da liberdade, da propriedade, da religião, etc. – existe, entretanto, um ponto comum a todas as declarações dos direitos do homem, e a todas as Constituições: a defesa da segurança individual.

Efetivamente, proclamava a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, adotada pela Assembléia francesa no dia 26 de agosto de 1789, no auge da Revolução Francesa, que “o objetivo de toda associação política é a conservação dos direitos naturais e imprescritíveis do homem” e que “esses direitos são a liberdade, a propriedade, a segurança e a resistência à opressão” (art. 2º).

A Constituição dos Estados Unidos, de 17 de setembro de 1787, estabelecia peremptoriamente o direito à segurança, assegurando ao povo, para garantia de sua segurança, “o direito de conservar e portar armas” (art. 2). E esse dispositivo constitucional continua inalterado, tanto assim que os norte-americanos, devido ao seu respeito – verdadeiramente sacral – ao texto de sua já secular Constituição, enfrentam grandes dificuldades para tentarem proibir a venda de armas no território nacional, numa época, como a atual, em que a criminalidade aumenta assustadoramente.

Aqui no nosso País não haveria de ser diferente. Tanto assim que desde a Constituição de 1824, consta taxativamente: “a segurança individual é garantida” (art. 179). Essa norma é repetida em todas as Constituições posteriores.

Isso tudo nos veio à memória quando lemos o levantamento estatístico a respeito da criminalidade no nosso Estado, e, em particular, na Grande Vitória, no primeiro semestre deste ano. Sendo, como somos, um dos menores Estados da Federação, é, de fato, estarrecedor: 508 homicídios (o dobro de Nova York), 13 sequestros, 23 furtos, 112 roubos, 12 prisões por tráfico de entorpecentes, 9 tentativas de homicídio, 7 lesões corporais.

Diante do que consta de todos nossos textos constitucionais, desde o tempo do Império, até a atual Carta Magna, que garante a todos os brasileiros e estrangeiros residentes no País, o “direito à segurança” (art. 5º), ficamos sem saber e sem poder imaginar em que consiste, ao certo, essa garantia. Principalmente numa época em que as maiores autoridades responsáveis pela segurança aconselham o povo a não reagir e entregar tudo que tem aos assaltantes, e orientam as vítimas para correrem na hipótese de ameaça de morte ou de agressão, enquanto se fala e se apregoa, em prosa e verso, a inalienabilidade, imprescribilidade e inviolabilidade dos direitos humanos.

Bem dizia Napoleão Bonaparte que “a Constituição de um povo não é a Constituição escrita, mas, sim, a Constituição aplicada”.

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