Das contradições

Mas, o mais importante é que a instituição do Júri veio, principalmente, humanizar os julgamentos, acabando, de uma vez por todas, com cenas como a acontecida no julgamento de Damiens, conforme relatado por Foucault, com todos detalhes.

Robert-François Damiens foi condenado à morte por regicídio, após um atentado falho e patético contra a vida de Luis XV. Segundo os termos de sua sentença, tinha-se que arrancar com tenazes a carne de seus peitos, os braços, os músculos e as barrigas das pernas, e se teria de queimar com fogo de enxofre a mão direita, como a que havia segurado o punhal. Logo derramariam sobre as feridas chumbo derretido, azeite fervendo, breu ardendo e uma mistura de cera derretida e enxofre. Depois seu corpo seria estirado e desmembrado por quatro cavalos, e seus membros e tronco consumidos pelo fogo. As cinzas seriam espalhadas ao vento.

Quando se levou a efeito, os sofrimentos de Damiens foram ainda mais infernais que a sentença. Os quatro cavalos não foram capazes de cumprir sua tarefa. Nem sequer colocando mais dois cavalos nas cadeias de suas pernas, se obtiveram os resultados previstos. Para desmembrá-los dos músculos, tiveram que cortar-lhe os nervos e romper, a machados, as junções. Só então os cavalos puderam executar sua função.

A Justiça popular tende mais para ver as virtudes dos homens do que sua maldade. Olha mais para suas fraquezas do que para suas vilezas. Dificilmente aplica a pena de morte, que leigos e jejunos em matéria penal querem ressucitar, esquecendo-se, aliás, de Anatole France, quando dizia: “E já que visivelmente a pena de morte está morrendo, a sabedoria está em deixá-la morrer”.

Em suas origens, na forma da lei, se o acusado encontrasse doze pessoas respeitáveis e conhecidas na localidade que afirmassem, sob juramento, sua inocência, ele ficava inocentado. Esses cidadãos eram chamados de “conspurgadores”.

Com Guilherme, o Conquistador, e seus normandos, esse sistema foi introduzido na Inglaterra, transportando-se para os Estados Unidos.

Daí surgiu a instituição do júri. O número de 12 permanece inalterado no direito norte-americano, até os dias atuais.

Adquiriu as feições modernas, como instituição, a partir da Revolução Francesa, de 1789, de onde passou para a legislação de inúmeros povos, na época, integrando, inclusive, nossa Constituição de 1824, a qual prescrevia que “o Poder Judiciário será composto de juízes e jurados” (Art. 151) e “os jurados se pronunciam sobre o fato, os juízes aplicam a lei” (Art. 152).

Como comenta Roberto Lyra, “antes da Revolução Francesa, o júri julgava em nome de Deus, do rei, do Poder, e não em nome do povo”, e “o júri composto de representantes do povo para o julgamento livre caracterizou-se na França”.

Realmente, o júri está arrolado em nossa Constituição Federal, dentre os “Direitos e Garantias Individuais”, não sendo nada mais, nada menos, do que uma emanação da soberania popular. É o julgamento de um homem por seus concidadãos, por seus iguais, por sua gente.

Diz a Carta Magna: “É mantida a instituição do júri, que terá competência no julgamento dos crimes dolosos contra a vida” (Art. 5º, XXXVIII)

Estão, portanto, sujeitos ao julgamento pelo Tribunal do Júri os crimes de homicídio (Art. 121), induzimento, instigação ou auxílio ao suicídio (Art. 122), infanticídio (Art. 123) e aborto (Arts. 124 a 128). Todos estes crimes, consumados ou tentados.

Vale salientar que, como há homicídio doloso e homicídio culposo (Art. 121, § 3º), só terá que ser julgado pelo Tribunal do Júri o homicídio doloso, seja simples ou qualificado. O julgamento dos homicídios culposos fica na competência do Juiz togado.

A matéria acha-se disciplinada no Art. 74 do Código de Processo Penal. Mas, logo adiante, no Art. 78, estabelece que “no concurso entre a competência do júri e a de outro órgão de jurisdição comum, prevalecerá a competência do júri” (Art. 78, I).

Assim, na hipótese de conexão ou continência, o júri decidirá, também, sobre outros crimes.

Por exemplo: O agente cometeu homicídio (art. 121) e ocultou o cadáver (Art. 121). O homicídio é da competência do júri e o crime de ocultação de cadáver é da competência do Juiz singular. Ambos os crimes, no entanto, deverão ser julgados pelo Tribunal do Júri. Há a atração da competência.

Ou: cometeu homicídio numa vítima e lesões corporais em outra. O júri decidirá, por conexão, pelo crime de lesões corporais (Art. 129).

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