Lições da História

Debruçando-se sobre as páginas da história, verificamos que, no que se refere ao procedimento judicial, o processo penal era inquisitório, rigorosamente secreto, com clara desigualdade entre as partes, em prejuízo do presumido delinquente, com atuação oficiosa e um sistema de provas legais e elásticas presunções que permitiam provar qualquer acusação contra o réu, que quase não dispunha de recursos defensivos. Durante o processo estava latente a idéia de que o delinquente é um pecador, e por isso, assim como no sacramento da penitência, o pecador deve acusar-se de suas próprias culpas, isto é, confessar o pecado, considerando-se também que ante o tribunal da Justiça humana, a atitude obrigatória por parte do delinquente-pecador, é a confissão de seu crime. Assim a confissão passa a converter-se ma rainha das provas, entendida sempre como confissão de culpabilidade, carecendo de qualquer valor a afirmação de inocência por parte do réu.

Iniciada a pesquisa, o juízo inquisitório contra o indiciado de culpabilidade, se não havia provas suficientes para condená-lo, quase sempre havia pelo menos indícios bastantes para justificar a aplicação da tortura contra ele.

Nos casos de prova concreta, a aplicação da tortura tinha como finalidade descobrir a verdade, entendendo-se que a verdade ficava revelada quando o réu, torturado, confessava sua culpabilidade, mas não se afirmava sua inocência durante a tortura. A confissão manifestada sob tortura devia ser ratificada pelo réu; do contrário, voltava a ser torturado até que ratificasse sua confissão.

Neste sistema de administração de justiça os juízes dispunham de uma grande margem de discricionariedade ao aplicar a lei penal. Geralmente os textos legais não determinavam a pena concreta aplicável a um delito, mas era competência do juiz, para que este a impusesse, em função das particularidades do caso julgado.

Quanto à apreciação e valoração das circunstâncias agravantes e atenuantes, dependia totalmente do arbítrio judicial. As leis penais eram descritivas – os delitos não estavam tipificados – os juízes podiam interpretar extensivamente qualquer dos casos punidos legalmente, e aplicar a analogia a hipóteses não previstas pelo legislador. A lista de crimes era incerta e a acusação ficava nas mãos do juiz; a lei não proporcionava aos acusados nenhuma garantia nem proteção.

Para a burguesia no poder, a presença ruidosa da delinquência era o pretexto legitimador de uma instituição que resultava imprescindível: a Polícia.

Foucault amplia a conveniência da delinquência: “A utilidade dos delinquentes é evidente, quanto mais delinquentes existam, mais crimes existirão, quanto mais crimes haja, mais medo terá a população e quanto mais medo haja na população, mais aceitável e desejável torna-se o sistema de controle policial.

A existência desse pequeno perigo interno permanente é uma das condições de aceitabilidade desse controle, o que explica porque nos jornais, no rádio, na televisão, em todos os países do mundo, sem nenhuma exceção, concede-se tanto espaço à criminalidade, como se se tratasse de uma novidade em cada novo dia.

Desde 1830, em todos os países do mundo se desenvolveram campanhas sobre o tema do crescimento da delinquência, fato que nunca tem sido provado, mas essa suposta presença, essa ameaça, esse crescimento da delinquência é um fator de aceitação de controles”.

A propósito, basta recordar que enquanto Lampião, há quase 100 anos, com seu bando, saqueava vilas e cidades inteiras no nordeste, hoje, como bem registra a imprensa, ainda há poucos dias cerca de 25 pessoas, entre homens e mulheres, interromperam o trânsito num movimentado túnel do Rio, e saquearam mais de 50 carros, assaltando seus ocupantes.

O tráfego foi interrompido porque alguns bandidos atravessaram ônibus na entrada e saída da pista, enquanto outros saqueavam os motoristas dos veículos.

Segundo comentários da Polícia, essas ações de bandidos têm sido frequentes, e os assaltantes levam documentos, dinheiro, aparelhos celulares e recibos de compra e venda de automóveis, que negociam.

Afinal, não custa lembrar Virgilio quando, na Eneida, exclamava: “Ainda que tivesse cem bocas e cem linguas, e minha voz fosse de ferro, não poderia enumerar todas as formas de crime”.

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