Das fugas

De acordo com a penologia moderna a pena tem três finalidades: 1. Prevenção geral; 2. Prevenção especial; 3. Readaptação social.

Como prevenção geral, serve como advertência a todos os membros da comunidade que o aparelho repressor do Estado está vigilante e atuante. Aliás, diz muito bem o aforismo jurídico, que já vem dos tempos dos romanos: “a certeza da impunidade constitui o maior estímulo ao crime”. Nas épocas revolucionárias ou pré-revolucionárias, quando o Poder Público mostra-se fraco e vacilante, a criminalidade aumenta incontrolável e desmedidamente.

Como prevenção especial, afasta do convívio social o indivíduo que delinquiu, para que não reincida.

Como readaptação social, cuida de dar assistência profissional e educacional aos reclusos, para que se tornem recuperados, elementos úteis, tolerantes e produtivos.

Já dizia Cesare Beccaria, o verdadeiro criador do Direito Penal como ciência, que “um dos maiores freios dos delitos não é a crueldade das penas, mas a sua infalibilidade”.

Para Feuerbach, o grande jusfilósofo alemão, ao aplicar a pena o Estado exerce uma “coação psicológica” sobre todo o povo, intimidando-o e amedrontando-o. Mostra a toda a sociedade os sofrimentos e padecimentos a que estão sujeitos aqueles que cometem crimes. A população é, assim, coagida a respeitar a Lei do Estado, sob a ameaça da pena.

Mas, além disso, essa coação, para produzir efeitos, é exercida de diversos modos: policiamento ostensivo; ação policial enérgica, fulminante e sob intenso estrépito publicitário – carros com sirenes estridentes, exposição de armas, utilização da mídia e de todos os meios de divulgação, etc.

Se o indivíduo, apesar de toda essa pressão e ameaças, vem a delinquir, evidencia-se sua alta periculosidade. Mostra que se considera mais forte do que o aparato estatal e superior à Lei. Revela total desprezo aos seus concidadãos, considerando-os fracos e covardes.

Daí surge a necessidade de afastá-lo do convívio social para que se sujeite a uma pena e se submeta a um processo de “ressocialização”, ou seja, aprenda a conviver em sociedade.

A prevenção geral atua sobre a sociedade. A prevenção especial atua sobre a pessoa do criminoso, individualmente.

Preso, o condenado não pode cometer novos crimes, e com isso tranquiliza-se a sociedade.

Para uma poderosa corrente de juspenalistas a melhor pena é a pena de morte, porque elimina definitivamente a possibilidade de reincidência. Essa teoria, entretanto, vem encontrando veemente repulsa no mundo atual, dado o grande número de condenações de inocentes, vítimas de erro judiciário.

A propósito, vale relembrar a imortal poesia de Guerra Junqueiro: “Prefiro à lei da morte o bandoleiro atroz./É menos cruel por ser o mais feroz./Se o crime causa medo a lei produz horror:/ É como que um juiz dentro dum salteador/ É a concentração diabólica do mal:/ A fera redigida em código penal”.

Deixando-se de lado essa espécie de pena, só nos resta, na prevenção especial, o afastamento do criminoso do meio social.

Acontece que no nosso País os presos fogem com a maior facilidade dos nossos presídios, quando não são libertados através de frestas da legislação.

Diz-se que há um aumento assustador da criminalidade. Puro engano. A criminalidade aumenta quando se verifica aumento no número de autores de crimes. Aqui são sempre os mesmos agentes cometendo cada vez maior número de crimes. Há, portanto, aumento no número de crimes, e não na criminalidade.

Qualquer um que se der ao trabalho de verificar a folha de antecedentes criminais de assaltantes, homicidas, latrocidas, traficantes e estupradores, haverá de ficar espantado com a sua imensa extensão. O cidadão é preso; foge; volta a cometer crimes; é preso novamente; foge novamente. E assim vai numa repetição enervante e revoltante. Isso pode ser observado sem muita dificuldade.

Donde se conclui que, numa época em que se trombeteia aos quatro cantos a adoção de medidas para combater a “criminalidade”, quer-nos parecer que o primeiro passo seria, antes de mais nada, tratar-se de garantir e assegurar a prevenção especial – cuidar para que sejam evitadas fugas, porque com elas rui, também, ao mesmo tempo, toda a política criminal, fracassando a prevenção geral, e, como é lógico, a readaptação social.

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