Do novo milênio

É curioso observar-se como nestes últimos anos acendeu-se em todo o mundo uma chama de entusiasmo e expectativas em torno do novo milênio. Isso ocorreu principalmente naquela parte da humanidade que segue religiosamente o calendário cristão.

Houve também uma apreensão generalizada em torno do chamado bug do milênio, surgida de motivos tecnológicos, e da ampla divulgação das apreensões de técnicos em computadores e especialistas do ramo da internet.

Pode-se mesmo dizer que nunca, como hoje, o mundo ocidental tenha se entusiasmado tanto pelo fim de um milênio. Antes de mais nada, após ampla campanha publicitária em torno da “virada do milênio”, do ingresso no “terceiro milênio”, e das previsões de Nostradamus, quando dizia que o mundo não chegaria ao ano 2.000, logo em seguida começaram a surgir sábios e cientistas proclamando solenemente que havia um monumental equívoco, uma vez que o novo milênio na realidade só começará no dia primeiro de janeiro do ano 2.001.

Como o século 20 e o segundo milênio acabaram-se a 31 de dezembro de 1999, e, como é lógico, a partir de 1º de janeiro não estamos mais no século 20, nem tampouco no segundo milênio, custa entender em que século e em que milênio estamos, caso sejam certas as teorias desses doutrinadores.

Antes de tudo porque o primeiro milênio começou muito tempo depois do seu nascimento. Não é um jogo de palavras; até o ano 532 da nossa era, em todos os territórios do Império romano (ou daquilo que lhe restava), usava-se o chamado “calendário Juliano”, que tinha como referência a suposta data da fundação de Roma.

Portanto, os que viveram naquela época não sabiam que se estava iniciando um novo milênio. E isso mesmo depois da introdução do calendário cristão, baseado na presumida data do nascimento de Jesus Cristo.

Ademais, as pessoas tinham muitas outras coisas em que pensar: os bárbaros estavam muito próximos, e, ao que parece, poucos cristãos, e nenhum interessado na cronologia.

Basta dizer que nos territórios submetidos aos Francos a passagem para o novo calendário ocorreu logo depois da coroação de Carlos Magno como soberano do Sacro Império Romano. Era a noite de Natal do ano 1554 da fundação de Roma, isto é, 25 de dezembro do ano 800 depois de Cristo. Faltavam só 200 anos para o fim do primeiro milênio e pouquíssimos o sabiam!

Quando se chegou perto daquela data fatídica começou-se a examinar a coisa do ponto de vista teológico. De fato uma passagem do Apocalipse de São João (XX, 2-10) preanuncia a época em que Cristo inaugurará um reino milenário de paz e felicidade junto aos santos e aos eleitos; se seguirão depois o fim do mundo e o juizo universal: daí o dito “mil e não mais mil”.

Registram os historiadores que se falava naquela época de um provável fim do mundo na virada do primeiro para o segundo milênio, o que fêz aumentar consideravelmente o fervor religioso nas regiões mais sujeitas à influência do cristianismo. Mas não houve o “terror do ano 1.000”.

Esta lenda, como todas, foi idealizada pelos iluministas ingleses no século l7 para atacar a igreja de Roma. Na realidade, o povo da Idade Média tinha problemas quotidianos bem mais graves: pobreza difundida, epidemias e carestias, para não falar das guerras entre feudatários e dos novos conflitos contra os “bárbaros do leste” (eslavos e húngaros).

Nas passagens de milênio nunca faltaram profecias catastróficas. Toda a história da humanidade conheceu visionários ou fanáticos religiosos cujas funestas profecias foram pontualmente desmentidas pelos fatos. Assim, por exemplo, Joaquino de Fiore anunciou para o ano 1260 a chegada do Espírito Santo, com o início de uma era de paz dominada pelo espiritualismo. O Cardeal Pierre d’Ailly previu terríveis tragédias para todo o gênero humano. Numerosos astrólogos previram novo dilúvio universal para o ano 1524, que, como ficou provado, foi um ano de terrível seca.

Finalmente, Nostradamus profetizou acontecimentos pavorosos para o ano de 1999, com a ocorrência de “fatos que ninguém nunca viu nem sonhou”. Apoiado por profetas russos, esperava o surgimento do anti-Cristo no ano 1666 – ano considerado infausto porque contém o número 666, citado no Apocalipse de São João.

O pior de tudo é que, apesar de tanto progresso, a Humanidade continua mergulhada no mais denso mistério. A dúvida persiste, porque não se sabe se o novo milênio efetivamente já começou, e, portanto, se essas profecias ainda continuam válidas, dada a nova forma de contagem do tempo. Ou será que o fantasma do “bug”, oculto por agora, haverá de ressurgir no final do ano? Este segredo, ao que tudo indica, só será desvendado no dia 31 de dezembro do corrente ano.

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