Do controle externo

O processo penal brasileiro dá direito à parte impugnar o depoimento de uma testemunha. Isso, em linguagem jurídica, chama-se “contradita”.

Assim, digamos que uma testemunha, ao depor, é “contraditada”: o Advogado da parte contrária, durante seu depoimento, pede a palavra e diz ao Juiz que a testemunha é amiga íntima, ou inimiga figadal do réu. O Juiz, então, na forma da Lei, suspende o processo e oferece oportunidade ao Advogado para fazer a prova do que alega, dando-lhe prazo para isso.

O Advogado arrola, então, três testemunhas que provarão, em juízo, o alegado. Eis que durante o depoimento de uma dessas testemunhas, o Advogado da parte contrária, ou o Ministério Público, contradita a testemunha. O Juiz abre prazo à parte contrária para provar a suposta parcialidade dessa testemunha. O autor desta nova contradita arrola três testemunhas.

Ao serem ouvidas essas novas testemunhas, o Advogado da outra parte contradita a testemunha. O Juiz abre novo prazo.

Suponhamos que as coisas continuem assim indefinidamente: depoimento, contradita, novo depoimento, nova contradita, e assim, através de inúmeras contraditas, o processo fique sempre impedido de avançar e chegar a um fim.

É nessas circunstâncias que o Juiz, discricionariamente, pode acabar, sumariamente, com tantos obstáculos processuais, dando por encerrada essa etapa de “contraditas” infinitas e intermináveis, partindo para a conclusão da prova e encerramento do processo.

O mesmo poderia ser dito com relação à fiscalização dos atos do Poder Público. Imaginemos os fiscais do imposto de renda, que têm de fiscalizar as declarações de todos os contribuintes. Há que haver, também, aqueles outros, incumbidos de examinar as declarações dos fiscais. Mas terá que se incumbir um outro fiscal, para vasculhar as contas desses fiscais que fiscalizam os fiscais do imposto de renda. E assim sucessivamente, numa escala teoricamente interminável, mas que na prática tem que ter um ponto final, senão retornamos àquela figura dos romanos, do “asinus asinum fricat” (um burro coçando o outro).

Isso tudo vem a propósito do chamado controle externo do Judiciário.

Imaginemos a hipótese da criação de um Conselho controlador do Judiciário. Esse Conselho adota alguma medida contrária aos interesses de um Magistrado. É lógico que a decisão desse Conselho, segundo se apregoa, composto de leigos, representantes da sociedade, e, por conseguinte, não-juízes, será uma decisão de caráter puramente administrativo.

Da decisão administrativa desse Conselho caberá recurso para o Judiciário, que oferecerá uma decisão “jurisdicional”. E aí começa a corrente: Juiz, Tribunal de Justiça, Superior Tribunal de Justiça, Supremo Tribunal Federal, com suas Turmas, Câmaras e Plenos, um controlando os atos dos outros.

Foi exatamente diante da necessidade de um órgão que dê a última palavra sobre todos os litígios e controvérsias, que a experiência secular criou, em todos os povos, desde os tempos imemoriais, o Poder Judiciário.

Esse chamado “controle externo” virá criar, sem dúvida alguma, uma primeira instância, meramente administrativa, para em seguida haver o ingresso no Judiciário, onde as possíveis contendas terão que se sujeitar a toda a tramitação, por todos os graus de jurisdição.

Pois o dispositivo constitucional é claro: “A lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito” (CF, art. 5º, XXXV).

Donde se conclui que muito melhor do que se ampliar a tramitação de qualquer processo com a criação de mais um Tribunal, Conselho ou Instituição, numa instância meramente administrativa, seria o caso de se restabelecer o antigo Conselho Superior da Magistratura, extinto com a Constituição de 1988, e que era composto apenas de Ministros do STF, não cabendo qualquer recurso de suas decisões. Esse Conselho afastava sumariamente Juízes e Desembargadores, tendo suspendido, expulsado e cassado inúmeros deles, em todos os Estados da Federação.

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