Novos tempos

A evolução do pensamento humano criou, através dos séculos, vários regimes políticos para organizarem os Estados e estabelecerem a ordem entre os jurisdicionados.

De acordo com suas peculiaridades, as Nações foram buscando fórmulas já inventadas desde os tempos da sabedoria grega e procediam à sua adaptação aos usos e costumes locais.

Não se pode dizer, portanto, de forma alguma, que haja qualquer País no mundo dotado de uma forma de Governo autêntica, perfeita, ortodoxamente implantada, estreme de influências múltiplas e muitas das vezes até contraditórias.

Assim, a monarquia da Bélgica não está moldada nos mesmos padrões da que existe na Inglaterra; a da Dinamarca não é a mesma da Suécia, etc. Aliás, diga-se de passagem – excetuados alguns poucos Estados africanos, asiáticos, dos mais atrasados que existem, já não há o absolutismo monárquico. Todos os reis estão com sua esfera de ação limitada por normas constitucionais, que variam segundo as tradições locais.

O mesmo acontece com a democracia, palavra que é utilizada sem cerimônia alguma para significar e caracterizar todo e qualquer regime, por mais confuso e indefinível que seja. Tanto assim que Cuba e na China, se autodenominam “democracias populares”, sem se preocuparem com a semântica ou outros requintes de significação vocabular, que lançam à conta das “sociedades burguesas”.

No que se refere à mecânica do seu funcionamento, na gestão dos negócios públicos, a democracia norte-americana é muito diferente da inglesa, e ambas se desigualam também da alemã e da francesa. Isto para citarmos apenas quatro das maiores democracias contemporâneas.

De Gaulle, na sua histórica e irriquieta terra natal, muniu-se de poderes semelhantes ou superiores aos do nosso AI-5, proclamando ao mundo que assim procedia exatamente para garantir a democracia francesa, ameaçada por toda sorte de extremismos.

Nos Estados Unidos, o Presidente Nixon, contra a vontade do povo, fomentou, estimulou, desenvolveu e alimentou a guerra do Vietnã, na qual foram ceifadas milhares de vidas de americanos, comprometendo o prestígio internacional de sua Nação e quase que conduzindo o mundo a uma catástrofe nuclear, sob a alegação de que estava defendendo os princípios democráticos. Da mesma forma, o Presidente Clinton bombardeou impiedosamente a Bósnia, Iugoslávia, Iraque, etc., para salvaguarda dos direitos humanos e da verdadeira democracia.

Ainda agora o Presidente da Venezuela acaba de proibir os deputados de entrarem no Congresso e interveio na Suprema Corte, para garantir a democracia e o estado de direito.

No meio dessa salada de “democracias”, capaz de atender aos mais exigentes paladares, qual seria o tipo ideal para o Brasil? Diante dessa pergunta, abalançam-se os intelectuais, cada um agitando suas fórmulas milagrosas.

Mas agora, pelo que parece, o Brasil, depois de matutar e mergulhar nas pesquisas mais avançadas da ciência política, finalmente encontrou a fórmula mágica da verdadeira e autêntica democracia brasileira, que consistiria, em linhas gerais, no seguinte:

  1. O legislativo ficaria, de uma vez por todas, livre da espinhosa e cansativa missão de fazer Leis. Essa tarefa seria entregue, com as honras de estilo, ao Poder Executivo, que legislaria através de democráticas “medidas provisórias” em vez dos famigerados “decretos-leis” do tempo da ditadura.
  1. O Judiciário não precisaria mais julgar coisa alguma, nem seus mandados deveriam ser cumpridos, sem o beneplácito do Executivo. As ordens judiciais só teriam validade se aprovadas pelo Executivo. Não se paga precatório nem se reintegra funcionário no cargo, nem proprietário na posse, sem que as supostas sentenças sejam aprovadas pela “opinião pública”. A interpretação do que pensa a opinião pública caberia – como os Oráculos da antiguidade – ao Chefe do Executivo, a ele, apenas a ele e tão-somente a ele. E, se por acaso o Judiciário decidisse algo contrário aos interesses e opiniões do Legislativo, o Congresso aprovaria imediatamente uma emenda constitucional retirando-lhe poderes para tal “façanha”.
  1. A Justiça do Trabalho e o Júri Popular devem ser sumariamente extintos. A primeira porque decide sempre, ou quase sempre, a favor do trabalhador. O segundo porque não serve, nem quando absolve (caso do Pará), nem quando condena (caso de Pedro Canário).

Enquanto isso, o Legislativo e o Judiciário que se sintam muito felizes em receberem seus pagamentos, pois, como dizia muito bem Marisa Raja, “governar hoje é ir a Brasília pedir dinheiro”.

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