Do descobrimento

Aproximando-se a data em que deverão ser comemorados os 500 anos do descobrimento do Brasil, voltam a aflorar dúvidas quanto ao papel de Pedro Álvares Cabral.

A propósito, vale relembrar os comentários de Pandiá Calógeras, em seu famoso livro “Formação Histórica do Brasil”, escrito em 1929, em que aborda o assunto nos seguintes termos:

“A opinião geralmente aceita, oficial, é que o Brasil foi descoberto a 22 de abril de 1500, por uma esquadra portuguesa comandada por Pedro Álvares Cabral.

Durante séculos, tal versão foi pacífica, ninguém se opondo à larga fama mundial do descobridor. Já não é esta a situação presente do caso, pela excelente razão de que papéis de arquivos e documentos da época foram encontrados em Lisboa e alhures, dos quais se infere que, antes de Cabral, outros navegantes e exploradores podem ter visitado a América do Sul e o Brasil.

Em consequência do achado, todo o problema tem de ser revisto. Tal posição pode parecer paradoxal e surpreendente: uma afirmação velha de quatrocentos anos a tornar-se duvidosa, pela evidência de livros esquecidos e de fragmentos de manuscritos roídos pelas traças. Para compreender e admitir a possibilidade, entretanto, tem de ser relanceado o meio lusitano, perfuntoriamente embora, nos séculos XV e XVI”.

E esclarece o historiador em sua antológica obra:

“Orla continental estreita do litoral atlântico da península ibérica, Portugal contava menos de milhão e meio de habitantes, largamente ultrapassados por seus vizinhos e rivais de Castela, competidores ainda nas aventuras de navegação. Inglaterra, em grau menor, mas França, em larga escala, buscavam descobrir e conquistar novas ilhas e continentes. Pirataria era hábito comum às naus exploradoras de toda espécie e de todas as procedências, das frotas barbarescas preando as galeras de Gênova ocupadas no comércio de especiarias orientais, através do Egito ou de Estambul, aos corsários franceses a saquearem o ouro de Espanha e os galões da prata ou os barcos portugueses carregados de pau-brasil.

Potência mais fraca, de todos os pontos de vista, Portugal só tinha um caminho a seguir: esconder sua atividade. Sendo os melhores cosmógrafos e pilotos de todas as nações navegadoras, possuíam meios, e deles usaram para ostentar, ou antes conseguir, os mais altos resultados e os mais notáveis feitos.

Sabedores conscientes de que não poderiam resistir aos golpes de reinos mais fortes, os soberanos de Aviz haviam adotado em suas peregrinações atlânticas uma política de constante defesa: o segredo.

Não era lícito publicar mapas, portulanos ou relações de viagem. A ser absolutamente imprescindível pôr por escrito qualquer apontamento, isto se fazia de tal modo que nenhum dado fidedigno pudesse ser aproveitado pelo público. A regra invariável fora imposta desde o alvorecer do século XV, quando o infante D. Henrique começou a dirigir soberanamente toda a expansão marítima da marcha do comércio do reino, de seu ninho feudal de Sagres, escola naval de aprendizado, centro de instruções náuticas e de ciência geográfica, promontório onde assentou o facho de energia e de luz que aclarou o Atlântico inteiro”.

Após tecer inúmeros comentários acerca da obrigatoriedade absoluta em se guardar segredo sobre toda e qualquer descoberta, para evitar ataques por parte das potências da época – Inglaterra, França e Espanha – tendo em vista a fraqueza militar de Portugal, conclui Pandiá Calógeras:

“Finalmente, Duarte Pacheco Pereira, em seu célebre “De situ orbis”, adianta o surpreendente asserto de que estivera no Brasil em 1498, por ordem de D. Manuel.

Neste caso, e tudo converge para confirmar a veracidade da asseveração, Duarte Pacheco deveria ser considerado o descobridor real do Brasil, passando Pedro Álvares Cabral a possuir o mero título oficial de inventor”.

E conclui: “Por que semelhante silêncio? Por que tal sacrifício de um grande português ao outro? É esse um dos mistérios do problema. Está provavelmente conjugado e se relata com a política do segredo nacional seguida em Lisboa”.

Isso é o que consta do maravilhoso livro de Pandiá Calógeras, edição de 1945 da Cia. Editora Nacional, São Paulo.

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