Do júri

Considero o problema do júri um dos problemas mais sérios a serem resolvidos na área da Justiça.

O júri não é órgão integrante do Poder Judiciário. Compete a um Juiz de Direito apenas presidir a sessão de julgamento e prolatar a sentença rigorosamente de acordo com o que for decidido pelos jurados. Os verdadeiros juízes no Tribunal do Júri são os jurados.

O júri é uma instituição eminentemente democrática. O réu é julgado por seus concidadãos. São pessoas selecionadas dentre todas as camadas sociais que passam a constituir o Tribunal do Júri.

Pois bem. A Constituição de 1988 veio dar plena soberania ao júri. Acontece que o Código de Processo Penal permite recurso da sentença do júri, “quando a decisão for manifestamente contrária à prova dos autos”. Como o que é “manifestamente contrário à prova dos autos” depende unica e exclusivamente de análises subjetivas, os Tribunais constantemente anulam decisões do Júri.

Lembro-me muito bem que quando da elaboração da Constituição de 1988 foi apresentada emenda pelo então Deputado, Nyder Barbosa de Menezes, propondo que se fixasse no texto que só seria permitido recurso das decisões do Júri sobre matéria de direito, e não sobre matéria de fato.

Essa emenda resolveria o problema do júri, reconhecendo definitivamente a soberania do julgamento popular. Assim, só caberia recurso acerca de desobediência aos termos da Lei quanto à formação do Júri – p.ex., se havia jurados impedidos, se foram oferecidos prazos para a defesa, se houve nulidades, etc. (matéria de direito). Proferido o julgamento, não se discutiria mais se a condenação estava de acordo com a prova produzida, ou não – ou seja, matéria de fato. Por ser uma excelente idéia e louvável iniciativa, naturalmente não haveria de ser aprovada, como de fato não foi.

Em consequência, o que vemos hoje é o seguinte quadro: o réu comete o crime, é preso em flagrante. Como é residente e domiciliado no distrito da culpa, tem o direito de aguardar em liberdade o julgamento. O Advogado, naturalmente, estando com o seu cliente solto, vai fazer tudo para adiar, o mais possível, o julgamento – requerendo novas provas, pedindo que sejam ouvidas testemunhas residentes em outros Estados, ou de difícil localização, etc.

Quando se dá o julgamento, às vezes já se passaram alguns anos. Com isso o réu já é beneficiado pelo esquecimento, pelo desinteresse da sociedade no julgamento de fatos que já pertencem ao passado.

Se é condenado, como estava solto por ocasião do julgamento, tem o direito de ficar em liberdade até o julgamento do recurso pelos Tribunais Superiores – o que costuma demorar mais uns dois ou três anos.

Assim o que se vê é que o jurado, muitas vezes julgando crime bárbaro, chocante, terrível, condena o réu a 20, 30, e até mesmo a mais de 200 anos de prisão (quando são julgados ao mesmo tempo vários homicídios). E, terminado o julgamento, o jurado vê, estarrecido, que o réu, apesar do peso da condenação, sai belo e fagueiro, tranquilo e despreocupado com um passarinho.

Encaminhado o recurso aos Tribunais, o júri comumente é anulado e o processo, 2, 3, 4 anos mais tarde, volta à Comarca de origem para ser feito novo julgamento. A essa altura os jurados já se desinteressaram pelo problema, e via de regra absolvem o réu: ou porque transcorreu muito tempo após o crime, ou porque os jurados passaram a ser afrontados pelo réu e seus sequazes e familiares, sentindo-se desmoralizados.

Há casos em que o mesmo réu é submetido a júri três, quatro vezes. No último júri o processo já conta com dez, vinte volumes e ninguém consegue sequer ler tantas folhas, tornando-se cansativa e monótona sua leitura perante os jurados.

Portanto, como se vê a “soberania” do júri em seus julgamentos, concedida pela Constituição de 1988, não passa de pura literatura, ficando no mundo das abstrações e aspirações que não saíram do papel, como os juros de 12% ao ano, e tantas outras.

Acho que muito mais importante do que se ficar discutindo sobre aumento da idade para aposentadoria compulsória, controle externo e outros pontos considerados relevantíssimos nas propaladas reformas inadiáveis, imprescindíveis e indispensáveis, de que tanto se fala, seria de relevante interesse público a discussão desse tema, examinando-se, antes de mais nada, a emenda do ex-Deputado Nyder Barbosa de Menezes, infelizmente arquivada na época, e que vinha dar respeitabilidade e seriedade a uma instituição secular, e, sob todos os títulos, respeitável.

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