Presos & prisões

Qualquer um que arrumar as malas e sair por esse mundo afora vai observar verdadeira revolução no que se refere aos jardins zoológicos. Neste final de século 20, ressalta-se o surgimento de uma mentalidade eminentemente “ecológica”, tendo como valores predominantes a preservação da natureza, a proteção aos animais e, principalmente, da fauna ameaçada de extinção.

Nos jardins zoológicos os animais já não são mais colocados em jaulas, trancados ou acorrentados: há áreas livres, jardins, parques, enfim, grandes espaços cercados à distância, em que os animais vivem como se estivessem em seu “habitat” natural. Os visitantes passam por ali em carros, observando leões, tigres, elefantes, pássaros, etc., pastando, se alimentando e vivendo no mesmo ambiente de que foram retirados.

Aqui mesmo, no Brasil, já há jardins zoológicos dessa espécie. Não da mesma sofisticação como nos Estados Unidos, Austrália e África do Sul, mas que dão mesmo uma idéia de como se verifica, na prática, a implantação das idéias ambientalistas.

Tudo isso nos vem à memória quando observamos o que se passa no nosso sistema penal. Constantemente aparecem nas televisões celas com capacidade para 8 homens, em que se amontoam 40, 50 prisioneiros.

Não há muito tempo, um Delegado de Polícia declarou à imprensa que na Delegacia dele os presos que quisessem dormir deitados tinham que pagar “pedágio”. Eram mais de cinquenta homens amontoados num pequeno cubículo de 16 metros quadrados. Todos tinham que ficar de pé, um escorado no outro. Só alguns mais privilegiados – acredito que traficantes de tóxicos – gozavam do direito de se deitarem, mediante pagamento de uma taxa que variava de 100 a 500 reais.

Vê-se que no nosso País há uma inversão total das coisas: enquanto os animais gozam de um tratamento compatível com a dignidade humana, os homens são trancados em jaulas como verdadeiras bestas-feras.

Aqui não existe procupação com o homem, nem tampouco se analisa o fenômeno “crime” em suas verdadeiras dimensões.

Como dizia Guilherme Fischer (TB, vol. I, pág. 36), “o crime, em sua essência, é tão autorizado como a Lei, pois esta não é menos do que ele, fundada sobre a violência. O fato de punir-se o crime não indica a sua ruindade, mas somente o poder do maior número. Se os homens se tornassem seres ideais, tornar-se-iam também tediosos e inúteis. A disposição criminosa é que provoca a atividade humana no incessante esforço da defesa e que nunca deixa amortecer a força criadora. Em um século ela tem feito a humanidade avançar mais do que pudera fazê-lo em milhares de anos.

O crime é a vida da humanidade, o sangue que pulsa em suas veias e não consente o corpo se dissolver. Se cessasse a sua eficácia que tudo anima e tudo agita, a humanidade mesma não existiria mais, porquanto com o último criminoso extingue-se também o último homem”.

Jesus Cristo, com sua bondade, transformou o mundo. A História do Homem se divide em duas fases: Antes de Cristo e Depois de Cristo.

Mas não se pode deixar de reconhecer, também, que Julio Cesar, Napoleão Bonaparte e Hitler não passaram de grandes criminosos, responsáveis pela morte de milhões de pessoas. Saques, estupros, morticínios imensos eram registrados à passagem de seus exércitos. No entanto, – cada um em sua época – promoveram profundas transformações na História Universal.

Basta dizer, para ficarmos apenas no mais recente, que, acabada a segunda guerra mundial, acabou-se também o Império Britânico: Índia, Paquistão, Austrália e outros países, tornaram-se independentes. Surgiu o Império Soviético, que dominou a Europa Oriental por cerca de 50 anos.

E, finalmente, graças aos crimes e loucuras de Hitler, os norte-americanos tornaram-se “donos do mundo”, expandindo ilimitadamente suas fronteiras, derrubando o Império Soviético, eliminando de uma vez por todas com o “perigo comunista, ateu e dissolvente” – aliás sem darem um tiro sequer.

Atribui-se a George Washington, o grande Presidente norte-americano, a frase segundo a qual “atrás de toda grande fortuna americana está sempre um ladrão, um pirata ou um sonegador”.

Mas, seja lá o que for, não é porque um indivíduo cometeu um crime que deva ser tratado pior do que os animais.

Vale lembrar que o saudoso Advogado Sobral Pinto uma vez requereu, em benefício de um cliente preso em condições sub-humanas, as garantias asseguradas pela Lei de Proteção aos Animais.

Isso, que foi feito há mais de 50 anos, aplica-se perfeitamente aos dias atuais, neste final de milênio.

Na Roma antiga, os romanos davam aos condenados o direito de morrerem dignamente, com a espada na mão, lutando contra os gladiadores na arena. Hoje, neste mundo cristão, onde tanto se fala de perdão, repetindo-se a toda hora os conceitos bíblicos, que “o homem tem fome e sede de justiça”, assistimos a esse espetáculo constrangedor e revoltante de presos amontoados, sãos e doentes em terrível promiscuidade.

Custa imaginar quem comete crime maior: os que prendem nestas condições ou os que estão presos – muitas vezes por pequenos delitos. Porque na realidade aqueles criminosos que são verdadeiras bestas-feras nunca são presos, ou ficam presos por muito pouco tempo, porque delegados, promotores e juízes também têm que pensar em si mesmos e em suas famílias.

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