Legislação penal

Nossa Lei das Execuções Penais é nova e, sem dúvida, uma das mais avançadas do mundo. Seguiu rigorosamente os ensinamentos da doutrina moderna e as instruções da ONU relativas ao tratamento a ser dispensado aos presos. Creio que só precisa ser efetivamente aplicada. Por enquanto, pode-se dizer, não passa, na realidade, de mera carta de intenções.

Já o nosso Código Penal é, de fato, velho. Data de 1940. Mas isso não tem importância alguma, pois há inúmeros países, dos mais civilizados do mundo – como a Suiça e outros – onde o Código data de mais de um século. E há inúmeros países que nem sequer têm Código Penal, como Estados Unidos, Inglaterra, etc.

Assim, por exemplo, quando se quer falar sobre o anacronismo da nossa legislação penal, citam-se os casos do adultério e da sedução, que deveriam deixar de ser crimes, ou seja, já deveriam ter sido retirados do Código há muito.

Mas, acontece que, muito embora estejam lá, não causam mal a ninguém. Hoje em dia já nem sequer se abre inquérito criminal para se apurar tais crimes – e outros semelhantes. E, se o Delegado abrir inquérito, este acaba pela prescrição ou por absolvição. Nenhum Juiz tem tempo a perder com irrelevâncias dessa espécie. Não se vê mais ninguém preso – e muito menos condenado – por “seduzir” maior de 14 e menor de 18 anbos e com ela manter relações sexuais. Quando me formei advogado, em 1956, naquela época, sim, o simples “defloramento” já constituía crime. E muita gente foi parar na cadeia, e condenada, e cumpriu anos e mais anos de cadeia, por tal espécie de crime.

Por outro lado, a instauração de um processo por crime de adultério depende de queixa do cônjuge ofendido. Antigamente o marido oferecia essa queixa. Atualmente, na maioria dos casos, conforma-se, e no máximo se separa. Cada vez tornam-se mais raros os crimes passionais, e nem se houve falar mais de queixa penal por adultério. Outros são os tempos.

Agora, no que se refere ao processo penal, necessitamos, inegavelmente, de uma reforma urgente, urgentíssima. Nosso processo penal, instituído em 1941, já não se mostra adequado para os dias presentes. E, em vista disso, muito embora o Código Penal disponha sobre crimes e penas, na realidade poucas são as punições. Porque a punição vem do processo penal. Ninguém pode ser condenado sem que seja instaurado, primeiramente, um processo penal, no qual têm que ser oferecidas todas as oportunidades de defesa.

Consideramos pontos essenciais para uma reforma do processo penal:

  1. Criação do chamado Juizado de Instrução. Atualmente um Delegado faz o inquérito – houve o acusado, testemunhas, manda que sejam realizadas perícias, etc. Concluído esse inquérito, é encaminhado ao Juiz. Do Juiz vai para o Promotor. O Promotor, então, ou apresenta a denúncia, ou pede que o inquérito retorne à Polícia para novas investigações. A Polícia, após essas novas investigações, manda-o de novo para o Juiz, o Juiz para o Promotor, e o Promotor para o Juiz. Aí, o Juiz aceita, ou não, a denúncia. Se aceitar a denúncia, instaura-se a ação penal. Se não a aceitar, cabe recurso. E enquanto isso o tempo vai passando. Nesse meio tempo o réu permanece preso (sem ter sido julgado), ou é solto, só sendo julgado muitos anos mais tarde, quando o crime já está esquecido. E o que agrava ou atenua o crime é o tempo. Se o réu for julgado logo após o crime, a pena é uma; se o julgamento realizar-se muitos anos mais tarde, a pena torna-se mais branda, ou o réu é absolvido – o tempo faz o crime desaparecer.

No Juizado de Instrução é o próprio Juiz que acompanha a formação da prova. Em vez de serem feitos, a bem dizer, dois processos – o inquérito, na Polícia, e a ação penal, na Justiça – há um só.

  1. Oralidade do processo. Nosso processo é escrito demais, ficando, por conseguinte, com exagerado número de folhas. Já estamos na época em que tudo deveria ser simplesmente gravado. Não vemos necessidade alguma de tantos “autos” e “termos”.
  1. Os recursos não devem ter efeito suspensivo. O que desmoraliza a justiça penal é o povo ver pessoas condenadas a muitos anos de prisão, em plena liberdade. Isso não existe em País algum do mundo. Se o indivíduo é condenado, pode recorrer, mas deve começar logo a cumprir a pena. A sentença do juiz deve ter aplicação imediata. Enquanto não houver julgamento, está certo que o acusado permaneça preso.
  1. Nos casos de absolvição não deve caber recurso do Ministério Público. Pois se o indivíduo já foi julgado pelo Estado, só quem deve ter o direito de recorrer é o réu, se for condenado.
  1. Precisa existir, de fato, a soberania do júri, assegurada pela Constituição. Só deve caber recurso da decisão do Júri quanto a matéria de direito, nunca com relação a matéria de fato.

Assim, se o cidadão foi julgado, o recurso para o Tribunal só pode se restringir a apreciar se o Júri foi constituído na forma da Lei, se foi assegurada ampla defesa, se o Juiz não estava impedido, se foram observadas todas as formalidades legais, ou seja, apenas matéria de Direito. Os jurados têm completa soberania para decidirem se o réu foi o autor, ou não, do crime, se agiu em legítima defesa, ou não (matéria de fato).

Estes, e muitos outros pontos que pretendemos comentar posteriormente, impõem uma profunda reforma na nossa legislação processual penal.

Vale relembrar que, como já dizia Blei, o processo penal não é nada mais, nada menos, do que a Constituição aplicada.

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