Dos crimes

Voltando ao tema, dada sua importância e atualidade, vale ressaltar. Compreendem as Ciências Penais: o Direito Penal, a Criminologia e a Política Criminal.

Dos três ramos, o Direito Penal é ciência meramente normativa – limita-se a descrever condutas proibidas e respectivas penas. A Criminologia age empiricamente, investigando as causas do crime, e, por via de conseqüência, as personalidades do criminoso e da vítima.

Liszt define a política criminal como “o conjunto sistemático de princípios segundo os quais deve o Estado promover a luta contra o crime por meio da pena e instituições afins”. Foi, pode-se dizer, o criador da política criminal, ou pelo menos sua grande voz.

O notável mestre alemão já dizia naquela época que seu lema é “prevenir, e não reprimir.”

Para atingir suas finalidades a Política Criminal atua de duas maneiras: através da prevenção especial e da prevenção geral.

A prevenção especial consiste em afastar o criminoso do convívio social. O fato de ter cometido o crime demonstra, por si só, sua periculosidade (maior ou menor) e a necessidade de uma “reeducação” ou “readaptação”. Daí a imposição da pena. Ou, em se tratando de insanos, ébrios e viciados, da aplicação de medida de segurança para tratamento.

A punição do criminoso exerce também aquilo que Feuerbach designava de “coação psicológica” sobre todos os cidadãos, intimidando-os e arrefecendo o ímpeto dos que teriam tendências para ações semelhantes.

Há ainda, por outro lado, a prevenção geral, também chamada de social e indireta.

Sabe-se perfeitamente que são fatores importantíssimos e decisivos para a prevenção da criminalidade:

  1. a) Reformas econômicas e sociais, pois numa sociedade mais ou menos equilibrada e bem ajustada, diminui a agressividade nas pessoas, criando condições para uma convivência mais harmônica;
  1. b) Bom funcionamento da máquina administrativa do Estado: Polícia, Justiça e órgãos de execução penal atuando com eficiência na prevenção, na repressão, na apuração dos crimes e no cumprimento das penas;
  1. c) Exemplos de moralidade e dignidade por parte dos órgãos públicos, criando um clima de confiança e segurança na população; e, finalmente,
  1. d) Leis justas, corretas e humanas, adaptadas à realidade social e às exigências do momento.

Providências dessa natureza produzem condições idôneas para impedir os crimes, ou pelo menos para que permaneçam em níveis normais e suportáveis.

Não resta a menor dúvida que, elevando-se os padrões da economia, moralidade e cultura da sociedade, o fenômeno da criminalidade tende a declinar.

O que se tem efeito, no entanto, no nosso País, relativamente à Política Criminal? Pode-se dizer com certeza, sem receio de contestação, que nada, ou quase nada.

Senão, vejamos:

A prevenção especial praticamente não existe. Prisões abarrotadas, imundas, em vez de melhorar os ruins, pervertem e degradam definitivamente os recuperáveis.

Não há estabelecimentos suficientes. Os que há, não são devidamente vigiados. As fugas se sucedem. Os mesmos indivíduos cometem, cada vez mais, uma quantidade maior de crimes. Outros ordenam e orientam crimes de dentro das prisões.

Os grandes assaltos e rumorosos seqüestros têm, em geral, como agentes, foragidos das penitenciárias, condenados a longos anos de prisão.

Quem faz política criminal, antes de mais nada, é o Legislador, que, ao selecionar as condutas proibidas e estabelecer as respectivas penas, ao criar novos crimes e extinguir outros, ao punir um mais severamente do que o outro, coloca em prática toda uma filosofia penal.

Temos visto ultimamente, por exemplo, que enquanto o banditismo, armado de metralhadoras e granadas, deixa a população intimidada e acoelhada dentro de casa, já não podendo sequer sair às ruas, a Polícia persegue implacavelmente humildes lavradores, caçadores de passarinhos e gambás, pescadores de sardinhas, homens honestos, pacíficos e desarmados.

Caçadores de tatus e juritis são jogados nos fundos das prisões ao lado dos piores marginais. Ficamos a imaginar a zombaria a que se sujeitam, além de todas as demais humilhações, quando seus colegas de cativeiro perguntam: “O que você fez? Por que está preso?”.

Quando o “otário” responde que prendeu um pássaro ou atirou num tatu, a prisão desaba numa gargalhada, dizendo os marginais: “Isso é para você aprender a não ser burro. Eu estou aqui, mas porque matei um guarda e assaltei um banco”.

E o outro: “Eu, porque estuprei uma linda garota de 12 anos”. E um terceiro: “Eu, meu amigo, sou traficante de drogas. Estou preso, mas meu dinheiro esta garantido lá fora, até mesmo em depósitos em bancos no exterior. Tenho com que pagar bons advogados e quando sair daqui poderei gozar a vida”.

Naturalmente o modesto roceiro sai dali humilhado e revoltado, pronto para só retornar àquele ambiente, por “justa razão”. A prisão está fabricando assaltante e marginais.

Tudo isso, fruto de uma Política Criminal errada, criminosa, injusta, implantada através de uma legislação penal irresponsável.

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