Dos Romanos

Durante a campanha política que acaba de se desenrolar, no qual foram eleitos Prefeitos e Vereadores em todos os Municípios brasileiros, a imprensa nacional registrou fatos curiosos.

Assim, a partir de São Paulo e Rio de Janeiro – eleições, sem dúvida alguma, as mais importantes – até os Municípios mais interioranos do País, surgiram expedientes interessantíssimos para atrair e captar o voto do eleitorado.

Houve apresentações de Tiririca e inúmeros outros artistas, desfiles de escolas de samba, shows de conjuntos roqueiros, certames, exibições pirotécnicas, sorteios de bonecas, geladeiras, máquinas de passar roupa, bicicletas, distribuição de balas às crianças (e aos pais das crianças), etc.

Além disso, houve, também, farta distribuição de cestas básicas, galinhas, patos, perus, pintos, ovos, leite e outros gêneros alimentícios.

Tudo isso nos faz lembrar as belíssimas páginas de Oncken, quando em sua “História de Roma”, relata como transcorriam as eleições naquela época.

Diz o grande historiador alemão:

“Durante o largo período, relativamente tranqüilo que se iniciou com a conclusão da guerra de Antiocho III e que só, de longe em longe, se via interrompido por uma ou outra guerra de pouca importância, aparecem na história interna de Roma lutas de pequenas facções, mais predominante que as de grandes partidos, para conquista dos altos cargos do Estado. Foi notável a tendência para se captarem as simpatias dos eleitores a troco de todos os meios e processos.

As massas populares da cidade quiseram também ser diretamente requestadas e, como a mocidade da nobreza procurava captar simpatias para poder elevar-se na vida pública, adulava e agasalhava extraordinariamente o vulgo, introduzindo-se também pouco a pouco entre os edís e os pretores o costume de captar o favor das massas populares por meios materiais. Prodigalidades enormes nos jogos e espetáculos públicos e nas festas provincianas, uma verdadeira inundação de cereaes por preços tão baixos que eram quase irrisórios, chegando muitas vezes a serem distribuídos gratuitamente, foram então moeda corrente e deram azo à depravação do povo, sempre ávido de divertimentos. Os esforços repetidos dos melhores elementos dominantes da nobreza para se oporem ao ambitus, isto é, a este processo de provimento de cargos públicos, não obtiveram nenhum êxito.

Finalmente apareceu o pior de todos os inconvenientes, qual foi a tendência de se comprar o voto dos eleitores, abuso este bastante prejudicial, contra o qual, em 159, se opôs, embora sem resultado, um obstáculo.

Depois da guerra de Annibal lançara-se ao esquecimento a ditadura, acostumando-se o povo a considerar a nova situação, mais em harmonia com as suas conveniências do que com o cumprimento dum dever formal. Também decaiu notavelmente a disciplina política do povo e não deixou de ser perniciosa a tendência de alguns mancebos romanos, pertencentes à nobreza, que, imitando o costume introduzido em Athenas, no período que decorreu de Alcibiades a Demosthenes, conseguiram captar renome entre os plebeus, atacando e acusando os mais notáveis homens de estado. O próprio Catão foi vítima deste costume, vendo-se acusado por um implacável mancebo que pôs em prática a retórica e dialética dos gregos para se tornar notável, quando o velho censor e outros da sua escola apenas com as suas acusações tinham outrora querido concorrer para o bem estar da nacionalidade (vol. IV, pág. 128).

E Mommsen, por sua vez, comenta:

“Mas não era só a demagogia que servia para obter os votos da plebe, pondo de lado o patriotismo. Havia uma corrupção generalizada para atrair os seus favores: o antigo empenho dos magistrados, e particularmente dos edis, para manterem os cereais a preços baixos e superintenderem os jogos, começou a degenerar e produziu, no fim, a horrível prática para atrair votos: pão gratuito e divertimentos em abundância”.

Gaio Flaminio, o primeiro demagogo romano de profissão, notabilizou-se através dos sucessivos “jogos plebeus” e da “festa em honra da colheita”.

Usava-se a política chamada de “pão e circo” (panes et circens), fazendo com que Catão dissesse que ninguém devia se surpreender com essa maravilha, que “os cidadãos não acolhiam os bons conselhos, porque o ventre não tinha ouvidos” (História de Roma, vol. II, pág. 433).

Depois de uma volta de quase dois mil anos, qualquer semelhança com o que acontece hoje, entre nós, é, sem dúvida alguma, mera coincidência.

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