Dos inocentes

Nossa Constituição Federal, que é a Lei básica de todo nosso ordenamento jurídico, diz textualmente que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória” (art. 5º, LVII).

Ora, se o indivíduo “não é considerado culpado”, então, obviamente, é considerado inocente.

Por isso costuma-se definir esse dispositivo constitucional de “princípio da presunção de inocência”.

Como corolário natural desse comando constitucional, e já que não se pode admitir a prisão de inocentes, fica evidentíssimo, claríssimo e perfeitíssimo, que ninguém pode permanecer preso antes de ter sido condenado através de sentença penal transitada em julgado.

Considera-se sentença transitada em julgado, também chamada de sentença passada em julgado, aquela sentença da qual não caiba mais recurso de espécie alguma.

Mas mesmo a sentença transitada em julgado está sujeita a reexame, para reparar possíveis erros judiciários. Daí a existência da chamada “revisão criminal”, admitida pelo Código de Processo Penal.

De qualquer maneira, deixando-se de lado a possibilidade de revisão criminal, quando o processo chega ao fim, ou seja, depois de examinados, relatados e julgados todos os recursos, ordinários e extraordinários, em todas as instâncias e Tribunais do País, diz-se que a sentença transitou em julgado.

E, na forma da determinação constitucional, enquanto o processo vai tramitando e os recursos vão sendo julgados, o réu tem o direito de permanecer solto, porque é presumido inocente.

Logo após a promulgação da Constituição de 1988, os Advogados, naturalmente, começaram a submeter a matéria a exame dos nossos Juízes e Tribunais, defendendo o direito de seus clientes permanecerem em liberdade, por terem sido presos em flagrante, ou por estarem presos mediante decreto de prisão preventiva do Juiz, ou por sentença penal ainda não transitada em julgado.

Muitos Delegados, Juízes e Tribunais limitavam-se a obedecer o preceito constitucional e determinavam a soltura imediata de presos, ou não decretavam sua prisão.

A sociedade mostrava-se chocada e revoltada. Cidadãos que estupravam, matavam, roubavam, traficavam tóxicos, etc., permaneciam em liberdade poucos minutos após serem presos em flagrante, num verdadeiro escárnio às vítimas, ao povo, e à ordem jurídica.

Muitos juízes, embora desobedecendo à Constituição, mantinham a prisão em flagrante ou decretavam a prisão preventiva.

O assunto, de tanta gravidade, foi andando de Tribunal em Tribunal, até parar no Superior Tribunal de Justiça e no Supremo Tribunal Federal, a mais alta Corte de Justiça do País.

O STJ editou a Súmula nº 9, que diz textualmente: “A exigência da prisão provisória, para apelar, não ofende a garantia constitucional da presunção de inocência”.

E, no STF, após muita discussão, finalmente pacificou-se o entendimento no sentido de que:

“I – Sendo o réu de maus antecedentes, conforme declarado no acórdão hostilizado, não pode ele aguardar em liberdade o julgamento dos recursos que interpôs contra a decisão condenatória. II – A presunção constitucional de não-culpabilidade não desautoriza as diversas espécies de prisão processual, prisão inscrita em lei para o fim de fazer cumprida a lei processual ou para fazer vingar a ação penal. III – H.C. indeferido (DJU – STF – 01/10/99 – HC. nº 71.321-1 – SP – Rel. Min. Carlos Velloso – pág. 29)”.

E, do Ministro Celso de Mello: “O princípio constitucional da não-culpabilidade dos réus, fundado no art. 5º, LVII, da carta política, não se qualifica como obstáculo jurídico a imediata constrição do status libertatis do condenado”.

Conclui-se, sem muita dificuldade, que o Poder Judiciário, pensando na ordem pública, e diante da desmoralização a que estava submetido, tanto ele como o próprio Estado, diante da “presunção de inocência” constitucional, admitiu a prisão de réus mesmo enquanto não estejam com sentença transitada em julgado.

Frente ao aumento exagerado da criminalidade, a esta altura quase que incontrolável, vale relembrar as palavras do grande Advogado e saudoso mestre, recentemente falecido, quando dizia: “A solução para a violência é fácil: a punição dos culpados” (Barbosa Lima Sobrinho).

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