Júri

Derrubado o Governo Vargas e o Estado Novo, em 1945, os constituintes de 1946 ressucitaram o júri nos seguintes termos: “É mantida a instituição do júri, com a organização que lhe der a lei, contanto que seja sempre ímpar o número de seus membros e garantido o sigilo das votações, a plenitude da defesa do réu e a soberania dos vereditos. Será obrigatoriamente de sua competência o julgamento dos crimes dolosos contra a vida” (Art. 141, § 28).

Iniciou-se acirrada polêmica no mundo jurídico. Alguns entendiam que havia sido restabelecida a soberania do júri nos mesmos moldes com que ela existia antes da Carta ditatorial de 37 – apelidada “polaca” -, isto é, possibilitando recursos dos seus julgamentos apenas quanto à matéria de direito. Outros sustentavam que não, que a norma do Código de Processo Penal não havia se tornado inconstitucional. E que os tribunais poderiam anular a decisão do júri, quando fosse “manifestamente contrária à prova dos autos”. E que a soberania consistiria exatamente nisso: que o Tribunal só tinha poderes, para anular a decisão de mandar o réu para outro julgamento pelo júri, sendo-lhe terminantemente vedado absolver ou condenar. Ser-lhe-ia permitido corrigir eventuais erros de direito na aplicação da pena.

Um dos grandes defensores da plena liberdade e soberania total do júri foi Roberto Lyra, que o via como um Tribunal composto por representantes do povo, para um julgamento livre, “expressão de autenticidade e vitalidade democráticas”, definindo o júri como “instrumento de direitos e garantias individuais, e não somente peça do Poder Judiciário”.

Expunha o grande mestre que “equivocam-se os que depreciam o júri sob o crivo técnico-jurídico ou técnico-científico; que são os inimigos da democracia os inimigos do júri, e daí a sua repugnância por tudo quanto exprime a presença mesmo decorativa do povo, o sinete documental de sua vontade, a réstea simbólica de sua soberania”, e que “o júri é um Tribunal, e não um simples colegiado de primeira instância sujeito às impugnações ordinárias”.

Aliás, o júri foi criado na França, após a revolução de 1789, como imperativo da vontade popular, tendo sido acolhido por nomes eminentes do Direito, porque, como dizia Tissot, “o Juiz criminal contrairia, aliás muito facilmente, o hábito de condenar e, por conseqüência, a tendência para fazê-lo. Sua sensibilidade o reteria pouco nesta inclinação para a severidade, e estaria mais impressionado com a perversidade do que com as suas misérias; mais com o perigo que ameaça a cada instante a sociedade, do que com a piedade, a proteção e a justiça que ainda são devidas a um acusado” (Direito penal, vol. II, pág. 478).

Estabelecida a controvérsia no forum, nas cátedras e na literatura jurídica, os tribunais a princípio vacilaram, registrando-se decisões ora num sentido, ora noutro, inclusive no STF.

Finalmente, pacificou-se a jurisprudência, e a justiça togada passou a anular semcerimoniosamente as decisões do júri. Como a interpretação do que seja “manifestamente contrário à prova dos autos” é de alcance muito subjetivo, registrou-se, a partir de então, uma série de verdadeiros e intermináveis abusos na aplicação do art. 593, III, “d” do Cód. Proc. Penal.

A Constituição de 1967 veio com a norma: “São mantidas a instituição e a soberania do júri, que terá competência no julgamento dos crimes dolosos contra a vida” (Art. 150, § 18), mas a emenda de 1969 modificou-a: “É mantida a instituição do júri, que terá competência no julgamento dos crimes dolosos contra a vida” (Art. 153, § 180. Retirou-se, por conseguinte, a soberania.

Surge a de 1988, disciplinando o assunto nos seguintes termos: “É reconhecida a instituição do júri, com a organização que lhe der a lei, assegurados: a plenitude da defesa; o sigilo das votações; a soberania dos vereditos; a competência para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida” (Art. 5º, XXXVIII).

Nunca é demais repetir e ressaltar que a palavra soberania exclui qualquer restrição. Não se pode falar em soberania sujeita a um poder superior.

Numa época em que tanto se fala acerca da necessidade inadiável de serem criadas novas leis, visando a intimidar os criminosos e diminuir a elevadíssima taxa de criminalidade, vale a pena sugerir a alteração, sem mais demora, do art. 593 do Código de Processo Penal. Isso dará mais segurança ao júri, evitando-se repetidas anulações de seus julgamentos, desmoralizando a instituição e estimulando-se o crime.

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