Os sonhos do Barão

Nestes dias comemorativos dos quinhentos anos do descobrimento do nosso País, vale a pena relembrar certos registros históricos que contêm lições a serem aproveitadas.

Temos, assim, que na primeira metade do século 19, ao redor de 1850, criou-se na Europa um clima de curiosidade em torno do que se passava por cá, e o Brasil passou a ser visitado por inúmeros cientistas, ecologistas e pesquisadores.

Dentre estes, destacou-se o Barão de Tutphoeus, ilustre intelectual alemão, portador de cultura invejável e vastíssima visão do futuro.

Autor de famoso livro em que narrava, com riqueza de detalhes e minuciosos dados históricos, a vitória de Carlos Martelo sobre os árabes, no ano 732 da era cristã, escreveu, também, sobre o assassinato de Henrique IV, em 1610, provando e comprovando por a mais b, que o autor do monstruoso crime havia sido um tal de Ravaillac.

O genial Barão saiu percorrendo nosso País de norte a sul. Começou no norte, passando pelo Amazonas e Pará, veio descendo, e, lá por volta de 1840 chegou ao Rio de Janeiro.

Andou por aquela bela cidade, que era, então, a Capital do Império. Observou com acuidade tudo que se passava. Ficou deslumbrado com as belezas naturais.

O que mais chamou a atenção de Tutphoeus foi o encanto extraordinaríssimo de Copacabana, naquela época uma enorme praia cercada por espessa floresta, habitada por cobras, lagartos, onças, jaguatiricas e animais de toda espécie, que constituíam, então, a rica fauna brasileira.

De volta à Alemanha escreveu artigos para jornais, livros e livretos, comentando, com riqueza de detalhes, tudo que havia observado por aqui, e mostrando-se revoltado com o progresso que procurava se implantar.

Tutphoeus defendia o ponto de vista – que recebeu a mais entusiástica acolhida por toda a Europa – de que o Brasil deveria ser mantido como estava. Tinha que permanecer intocado e intocável. A praia de Copacabana, com toda sua beleza e encanto mágicos, não deveria sofrer qualquer modificação ou transformação. Nosso País seria, inegavelmente, uma dádiva de Deus, que deveria ser preservada a todo custo.

Tutphoeus só não condenava a retirada do ouro, prata, diamantes e outras pedras preciosas, que eram exportadas em grandes quantidades para a Europa, porque entendia que os índios, negros e caboclos que aqui habitavam seriam incapazes de fazer bom uso de tais riquezas. Achava que fortuna tão descomunal seria muito melhor aproveitada nos palácios e bordéis do Velho Mundo. Ou para financiar guerras e expedições invasoras sem fim aos países mais atrasados.

Grande filósofo e pensador, como era, achava que aqui no Brasil não se devia deixar matar animal nenhum – nem sequer ratos, baratas, percevejos, mosquitos e outros bichos e insetos que infernizam a vida dos homens, porque todos os seres criados por Deus vivem harmonicamente, num verdadeiro “equilíbrio ecológico” e a morte de qualquer um deles ocasionaria um “desequilíbrio”, condenado por Deus e pela mãe Natureza.

Como os portugueses trouxeram muitos animais para o nosso País, tais como o boi, o cavalo, o carneiro, etc., bem como inúmeros vegetais, como o café, a cebola, o trigo, etc., que vieram da Arábia, Egito, etc., nosso herói entendia que tudo isso tinha que ser destruído ou mandado de volta às suas origens, porque o Brasil seria uma reedição do Paraíso celeste, e ninguém tem o direito de alterar a obra do Criador.

Essas maravilhosas teses, como não poderia deixar de acontecer, obtiveram a mais ampla acolhida na Europa. Todos achavam que as teorias de Tutphoeus estavam absolutamente corretas. Os fidalgos europeus, que viviam à tripa forra, tomando os melhores vinhos, comendo os melhores petiscos, gozando as delícias da vida, queriam que o Brasil continuasse indefinidamente como “patrimônio da Humanidade”, com seus imensos territórios à disposição para deleite deles, nas férias e expedições exploradoras.

Registre-se, a bem da verdade, que se hoje Copacabana é aquele centro urbano, edificado às margens da Praia, e se o Rio de Janeiro é uma das maiores e mais belas metrópoles do mundo, e o Brasil um País rico e poderoso de quase 200 milhões de habitantes, isto se deve à energia e compreensão de D. Pedro II, que, apesar de não ser brasileiro, antevia um futuro grandioso para nossa Pátria, no que foi apoiado por homens como Barbacena, Nabuco, Rui Barbosa, Rio Branco e tantos outros estadistas que nos legaram o grandioso patrimônio que recebemos, e que temos a obrigação de transmitir incólume a nossos descendentes.

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