Os três “e”

Proclamam os entendidos que a política de trânsito nos Estados Unidos é chamada política dos “Três E”, ou seja, se orienta sob três princípios fundamentais que começam pela letra “e”: engineering, education, enforcement (engenharia, educação e punição).

Povo eminentemente pragmático, objetivo e realista, o americano entende que em primeiro lugar está a engenharia. Realmente, rodovias e estradas bem feitas, planejadas com cuidado, diminuem o perigo de desastres, reduzindo-os a níveis insignificantes, ou pelo menos suportáveis.

Lá, e em todos os países do primeiro mundo, são construídas estradas com três ou quatro pistas, em mão única, o que quer dizer: quatro para ir e quatro para voltar. As rodovias têm poucas curvas: o motorista corre por dezenas de quilômetros em retas. Há estradas para carros e estradas para caminhões. Sinalização perfeita. Pode-se dizer que não existem estradas de mão dupla.

Em segundo lugar vem a educação. Os jovens americanos, alemães, ingleses, franceses, escandinavos, etc., recebem aulas sobre comportamento no trânsito a partir do curso primário. Desde a infância aprendem as regras básicas de direção e de legislação do trânsito, aprendendo, além disso, como devem atravessar uma rua, e a respeitarem os sinais e os guardas de trânsito.

E, finalmente, em terceiro e último lugar, colocam o “enforcement” – a aplicação e execução da lei, a punição.

Não é preciso muito esforço de raciocínio para se compreender que aqui no nosso País faz-se exatamente o contrário: em primeiro lugar a punição, em segundo lugar a educação, e, em último lugar, vem a engenharia.

O motorista vive entregue à gana de cobranças desalmadas, onerado por multas que muitas vezes ultrapassam o valor do próprio carro, sujeitando-se, ainda, a penas e mais penas cruéis, criadas por uma nova Lei de Trânsito que não é nada mais nada menos do que um Código Penal do Trânsito.

A preocupação central de toda a política de trânsito no nosso País, infelizmente, situa-se na cobrança de multas. Pensa-se unica e exclusivamente em arrecadar dinheiro. A imaginação criadora de mentalidades fiscalistas engendrou uma nova espécie de tributo: a multa de trânsito.

Já antes da edição desse nefasto Código – que com poucos meses de vigência cuida-se de sua reforma – alertávamos para a monstruosidade que se estava criando. Bradamos no deserto. Agora a sociedade paga caro por sua inadvertência durante a tramitação da matéria no Congresso Nacional.

Enquanto existe uma preocupação obsessiva com a aplicação de multas, a educação é descurada, e, de melhoria das ruas e estradas, da criação de novas pistas, etc., nem se fala.

Efetivamente, continuamos com as mesmas estradas construídas há mais de 50 anos, para atenderem, hoje, a um trânsito rodoviário dez mil vezes maior. E que dia a dia aumenta, com a entrega à circulação, de novos veículos, que atingem, mensalmente, a mais de duzentos mil.

Estradas bem pavimentadas, com acostamento, bem sinalizadas e bem conservadas, dão segurança ao motorista. Ruas esburacadas, mal conservadas, mal sinalizadas, deixam o motorista nervoso, inseguro e intranquilo psicologicamente, com tendências para batidas e desastres.

No que se refere à educação, o novo Código prevê a criação de “cursinhos”, que, sem dúvida, serão novas espécies das famosas “escolinhas Walita”, em que o aluno, após curto “aprendizado”, recebia título e diploma. E nada mais.

O Código chega ao requinte de punir rigorosamente, como se fosse “falta grave”, a auto-lesão: o cidadão é obrigado a usar cinto de segurança, para, segundo alegam, diminuir, em si mesmo, os efeitos de provável acidente. Ora, há inúmeros casos em que o uso do cinto de segurança realmente protege o motorista, mas, em muitos outros casos, dá-se o contrário: pessoas têm morrido exatamente porque não conseguiram se desvencilhar do cinto de segurança. Eu mesmo presenciei um acidente em que o motorista morreu porque ficou amarrado, sem conseguir se desvencilhar, para sair do veículo, nem tampouco os que tentavam arrancá-lo. Talvez se tivesse sido retirado a tempo e a hora de dentro do carro, estivesse vivo até hoje.

Se o cinto pode produzir efeitos positivos e negativos, que pelo menos se deixasse a cada um optar.

Aqui no nosso Estado – forçoso é realçar – nosso Diretor de Trânsito, Coronel Mário Natalli – homem compreensivo e ponderado – tem procurado atenuar os rigores da nova legislação, que, se fosse aplicada ao pé da letra, ocasionaria verdadeiro tumulto e pânico, transformando nossas cidades, onde a maioria maciça dos motoristas é constituída de pessoas da classe média, de pequena ou baixa renda, num verdadeiro Deus nos acuda.

Enviar por e-mail Imprimir