Regimes políticos

Por 50 anos fez-se ouvir a palavra de Rui, ensinando, orientando, concitando. Como semeador, que tal é a vocação do político, lançou a semente da boa doutrina, da que era objeto de seu apostolado político desde a mocidade. Sua perseverança, sua paciência, manifestação de autêntico heroismo, conseguiram criar, em muitos, um estado de espírito, uma convicção nem sempre proclamada, mas nem por isso inexistente, qual seja a de que este país só se desenvolverá quando atingirmos a democracia plena, verdadeira, no sentido político exato.

Realmente, com aquela cultura que lhe era admirada, afirmava que o autoritarismo tem um vício insanável que lhe é ínsito – concentração real, se não teórica, de vastíssimo campo do poder nas mãos de um só homem, e o fatal culto de sua pessoa, o que faz com que o Governo se torne, pouco a pouco, menos sensível, se não insensível à realidade social e às aspirações populares, e, de outra parte, praticamente inatingível em suas decisões, podendo perseverar em erros capazes de gerar sérios males para o País, reparáveis apenas com o correr do tempo, quando não através de movimentos revolucionários, porém sempre com graves danos para o País.

Rui Barbosa, o estadista da República, artífice máximo do sistema instaurado após a queda da Monarquia, veio a público para, com a autoridade de um “saber de experiência feito”, combater as ditaduras, apontando os defeitos e imperfeições que as tornam, sobretudo entre nós, incapazes de criarem o clima indispensável ao progresso da nação e à efetivação de um convívio autenticamente pacífico e cristão.

Mas Rui repudiava, com igual vigor, o sistema convencional de Governo, dado o perigo, sempre ameaçador, do passionalismo ocasional de grupos configurando o que se pode denominar de “ditadura da assembléia”, mais reprovável, muitas vezes, do que a ditadura pessoal.

Adverso, pois, aos dois regimes antagônicos, preconizava uma democracia representativa, com a participação de todos os segmentos da sociedade nas decisões do Poder.

De qualquer maneira a História comprova que inúmeras nações têm progredido num regime ou no outro. Países se desenvolvem na Ditadura ou na Democracia, na Monarquia ou na República, no presidencialismo ou no parlamentarismo.

Todas as espécies de regime ou de governo costumam degenerar e adquirirem corruptelas, dependendo dos homens que as conduzem, das suas tendências, personalidade e convicções.

Aqui no nosso País, por exemplo, acabado o ciclo militar e restabelecida a democracia, ficamos com um regime sui generis. Aqui as eleições são decididas a peso de ouro. Gastam-se milhões e até bilhões. Até mesmo os chamados programas de televisão “gratuitos” custam uma fortuna, porque têm que ser preparados por empresas especializadíssimas em marketing e na ciência de captação das simpatias populares. O que faria supor que estaríamos numa autêntica plutocracia, ou seja, governo dos ricos.

O Executivo, através das chamadas “medidas provisórias” legisla mais do que o Congresso todo, composto de cerca de 600 homens e mulheres. Leis importantíssimas, que afetam a vida de milhões de brasileiros, enriquecendo ou empobrecendo quantidade incalculável de pessoas, são editadas mediante simples decreto do Presidente da República.

Bem já dizia Sobral Pinto que no Brasil temos três Poderes: o Executivo, que é um poder armado; o legislativo, um poder desarmado; e o Judiciário, que é um poder alarmado. Alarmado porque qualquer decisão que profira contrariando abusos e violências dos outros dois Poderes, sofre ameaças de inquérito, extinção de Tribunais, supressão de garantias dos juízes, etc.

À triste situação com que nos deparamos, em tal estado de coisas, talvez se ajustem com perfeição as palavras do Presidente Wilson, quando advertiu que “uma grande nação não é conduzida por quem simplesmente repete o que se diz nas esquinas ou nos jornais. Uma nação se conduz por quem ouve mais do que isso: ou quem, ouvindo isso, compreende mais, une tudo, dá a tudo um sentido comum e exprime, não os rumores das ruas, mas um novo princípio para uma nova era; um homem que dá voz à nação”.

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