Registros históricos

No dia 10 de novembro de 1937 o Presidente Getúlio Vargas, que havia assumido o Poder em 1930, por força de uma revolução desencadeada a partir do Rio Grande do Sul, editou, por sua livre e espontânea vontade, uma nova Constituição para o Brasil. Essa Constituição criava um novo tipo de Estado para o País, auto-designado de “Estado Novo”, e conferia tantos e tão acentuados poderes ao Presidente da República que este, pode-se dizer, transformou-se em “dono e Senhor” de todos os brasileiros, para, segundo assoalhava, “salvar a Pátria” da desordem e do caos, a que estaria ameaçada por comunistas e integralistas.

A partir daí iniciou-se perseguição implacável aos comunistas e integralistas. E, além disso, todas as forças policiais do País – Exército, Marinha, Aeronáutica, Polícias Militares, Polícias Civis, etc., – passaram a prender sumariamente supostos simpatizantes, aderentes e suspeitos de serem adeptos ou aficcionados das aludidas doutrinas subversivas e anti-nacionais.

Quando a força bruta é desencadeada sob o braço armado do Estado, aí, como se dizia antigamente, “uns são presos por terem cão e outros por não terem cão”. Gregos e troianos eram carregados de maneira sumária e arbitrária.

Vale relembrar, a esse respeito, o famoso livro de Graciliano Ramos, “Memórias do Cárcere”, em que relata toda a sua trajetória nas prisões getulianas, bem como a de milhares de outros infelizes.

Os prisioneiros se sujeitavam a serem tratados da maneira mais desumana possível. Para evitar o assédio de advogados e o incômodo da Justiça, muitos eram trancados em porões de navios e dali despachados para o Amazonas. “Despachados” seria a expressão utilizada na época, porque ficou comprovado mais tarde que houve navios com milhares de prisioneiros que saíram do Rio de Janeiro com destino às anunciadas prisões em Manaus, e lá não chegaram, porque “teriam sido mortos” em rebeliões no decurso da viagem. Consta, confornme se apurou após a redemocratização do País, que teriam sido lançados ao mar no curso da fatídica viagem.

Foi aí que o saudoso Advogado Sobral Pinto, que deixou seu nome gravado na História do Direito Brasileiro como um dos seus maiores vultos, defensor intemerato e intimorato dos Direitos Humanos, como Advogado de algums presos indiciados como comunistas, requereu que lhes fosse aplicada a Lei de Proteção aos Animais.

Entendia o grande jurista que os presos tinham, no mínimo, e na pior das hipóteses, direito a serem tratados como animais irracionais. Que fossem pelo menos equiparados a cachorros, gatos, onças e leões.

Tudo isso nos vem à memória quando lemos na Imprensa nacional e internacional os relatórios acerca do tratamento que vem sendo dispensado pelos norte-americanos – a maior democracia do mundo – aos prisioneiros transportados do Afeganistão para a ilha de Guantanamo, sede de sua base militar em Cuba.

Relata a Imprensa que “grupos de defesa dos direitos humanos condenam o modo como os combatentes do Taleban e do Al Qaeda estão sendo mantidos em jaulas ao ar livre, depois de terem sido levados de avião para Guantanamo com grilhões nos pés, mãos algemadas e olhos vendados. As organizações também criticam os Estados Unidos por impedirem o acesso dos prisioneiros à assistência consular e a advogados”. Há registros, também, de alguns prisioneiros terem sido sedados.

Parece que a idéia magistral do ditador Getúlio Vargas encontrou adeptos quase cem anos depois. Se não, vejamos:

  1. Não há a possibilidade de acesso aos prisioneiros, nem por Advogados nem por autoridades consulares, nem sequer por seus parentes.
  1. Guantanamo não é território americano, razão por que sequer deve possuir instituições jurídicas civis – no máximo algum Conselho Militar. Pertencia à Espanha. Em 1898, depois do afundamento do navio Maine no porto de Havana e derrota dos espanhóis na guerra hispano-americana, a Espanha renunciou a todo e qualquer direito sobre Cuba e as tropas americanas se retiraram em 1902, mas, de acordo com os tratados de 1903 e 1904 os Estados Unidos mantiveram uma base naval na Baia de Guantanamo, que é mantida até hoje.
  1. Torna-se dificílimo, ou mesmo impossível, as autoridades norte-americas serem importunadas por pedidos de habeas corpus ou medidas judiciais.

Em resumo, parece que Platão tinha razão quando dizia, já naqueles saudosos tempos, que “Direito é a expressão da vontade do mais forte”.

Só está faltando um Sobral Pinto para requerer que sejam dispensados àqueles infelizes os mesmos direitos conferidos aos animais irracionais pela super-democrática legislação norte-americana.

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