Sacrifícios necessários

Ultrapassadas as trevas da ditadura que durante longos vinte anos subjugou o País, e, finalmente restabelecida a democracia, com o surgimento da aurora das liberdades públicas, levantou-se o brado da salvação nacional, exigindo e impondo sacrifícios – como era natural.

Com efeito, o salário mínimo que naqueles tristes tempos quase chegava a duzentos dólares, ficou reduzido a cerca de cinquenta dólares, não havendo força humana capaz de elevá-lo para pelo menos cem dólares, não obstante o apoio intimorato e intemerato do Presidente do Congresso Nacional, o temido e destemido Senador Antonio Carlos Magalhães.

A fiscalização fazendária, tendo em vista unica e exclusivamente o ambicionado equilíbrio orçamentário, passou a arrochar impiedosamente os contribuintes. Ao lado disso, foram criados novos impostos, novas taxas e novos métodos de cobrança. Isso a nível federal, estadual e municipal. Na administração direta e indireta. Nas autarquias e empresas públicas. E, além disso, nos serviços públicos em geral, estatais ou privatizados.

Assim, se a carga tributária andava, naqueles tristes tempos, ao redor dos 26 por cento, hoje, mediante uma força hercúlea e uma atividade impressionante e persistente, já chega às beiradas dos cinquenta por cento.

As aposentadorias da Previdência Social, que eram pagas e garantidas a todos os trabalhadores, com base no tempo de serviço, passaram a ser concedidas tão só àqueles que tenham tempo de contribuição. Milhões e milhões de pessoas que prestaram serviços durante anos a fio, sem carteira assinada, na condição de “trabalhadores avulsos”, ou na economia informal, ficaram sem o direito sequer de receberem a mísera aposentadoria do Instituto.

Surgiram, também, figuras jurídicas nunca dantes imaginadas. Novidades impressionantes sairam da inesgotável capacidade criadora de burocratas e tecnocratas, preocupados com a implantação ou reimplantação de uma verdadeira e autêntica democracia.

Assim, foram incorporadas ao vocabulário popular expressões como “contingenciamento salarial”, “provisionamento”, “substituição tributária”, “desconto compulsório”, “redução compulsória”, etc.

Conforme se vê em Nota Oficial da Secretaria da Fazenda, recentemente publicada na Imprensa, “a sistemática da substituição tributária tem sido questionada em todo o território brasileiro, sendo relativamente recente a pacificação da matéria pelos Tribunais Superiores com o entendimento pela legalidade da cobrança antecipada do ICMS”.

Realmente, muitos Juízes e Tribunais deram liminares e sentenças considerando inconstitucional a substituição tributária. Mas, como bem diz a Nota, isso ocorreu numa fase de perplexidade, tanto nas instâncias inferiores como nos Tribunais Superiores. Não se pode, portanto, criticar nem lançar-se o labéu de suspeita sobre tantos e tantos Magistrados honestos e corretíssimos que souberam decidir de acordo com suas convicções – antidemocráticas, talvez, mas legítimas e bem intencionadas.

Custa imaginar aonde nos levará essa política fiscal, que em certos casos excede a capacidade tributária do contribuinte. Já se cogita até mesmo de descontar INSS dos proventos dos aposentados e cobrar imposto de renda dos que ganham dois ou três salários mínimos.

Isto nos faz lembrar aquele milionário americano que dizia alto e bom tom: “Que nos importa que os impostos subam ou baixem? Graças à nossa fortuna não pagamos nenhum”.

E Inge, quando assinalava que “a corrupção das democracias procede imediatamente do fato de que uma classe social fixa os impostos e a outra os paga”.

Aliás, em matéria de impostos não custa relembrar o Imperador Vespasiano, na Roma antiga, que, precisando aumentar a arrecadação para aguentar as despesas da Corte, lançou um imposto sobre a urina, entendendo que este seria realmente pago por todo mundo.

Não deixa de ser uma boa idéia, que talvez venha a ser aproveitada em futuro próximo. Tudo para fortalecer a democracia.

Até parece que razão tinha o Deputado italiano Dossetti, quando dizia que “democracia é a arte de fazer com que o povo seja oprimido pelo povo, no interesse do povo”.

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