Súmula vinculante

  1. Suponhamos que o Governo – federal, estadual ou municipal – resolva deixar de reconhecer determinado direito a seus funcionários, o que lhes ocasionaria um prejuízo correspondente a 5% (cinco por cento) dos seus vencimentos.

Digamos que essa decisão administrativa atingisse mil pessoas; e que 999 se conformassem. Uma, no entretanto, constitui Advogado e bate às portas da Justiça, achando que está sendo prejudicada arbitrariamente, e pede uma decisão judicial reconhecendo seu Direito, a fim de que o Governo seja obrigado a pagar-lhe os cinco por cento que lhe foram surripiados.

O advogado desse funcionário inconformado entra com uma ação perante o Juiz (primeira instância). O processo, depois da tramitação legal, suponhamos que receba sentença do juiz dando ganho de causa ao funcionário. Isso costuma demorar três, quatro, cinco anos. Derrotado, o Governo recorre para o Tribunal (segunda instância). O recurso, no Tribunal, é distribuído para uma das Câmaras isoladas. Admitamos que nessa Câmara isolada o Governo perca, mas há um voto divergente. Aí cabe recurso para as Câmaras Reunidas (terceira instância).

Derrotado nas Câmaras Reunidas, o Governo – e nisso já se passaram uns 10 anos – recorre para o Superior Tribunal de Justiça (quarta instância). Perdendo de novo, recorre para o Supremo Tribunal Federal (quinta instância). Aí, digamos que a derradeira instância – a mais alta Côrte de Justiça do País – confirme a sentença do Juiz, da primeira instância, e decida a favor do funcionário.

Acontece que dentro do Supremo, também, há possibilidades de outros recursos, tais como agravos e embargos.

Como tudo na vida tem que ter um fim, imaginemos que, decorridos uns quinze ou vinte anos, finalmente haja uma decisão definitiva do Supremo, reconhecendo – sem possibilidade de outros recursos – o direito do funcionário. E edita acórdão nesse sentido.

A essa altura, os outros 999 funcionários, vendo o êxito obtido pelo primeiro, resolvem também entrar na Justiça. Todos terão que se sujeitar a constituir Advogados e promover outras ações. A partir da primeira instância, irão também seguindo os mesmos passos encetados pelo primeiro funcionário, até chegarem à quinta instância. Serão mais 999 processos se amontoando na Justiça, da primeira à última instância. E 999 pessoas, e seus familiares, sofrendo prejuízo em sua renda familiar.

  1. Encontramos em decisão do Supremo Tribunal Federal:

“Pois bem, ambas as figuras – do inadimplente de obrigação alimentícia e do depositário infiel – têm perfil definido não só pela ordem natural das coisas, como também pelo arcabouço normativo. A figura do depositário infiel baliza-se pelo contrato, tal como previsto no artigo 1.265 do Código Civil:

Art. 1.265. Pelo contrato de depósito recebe o depositário um objeto móvel para guardar até que o depositante o reclame.

Ora, há de observar-se a força decorrente da natureza das coisas, atentando-se para o fato de que a regra é a inexistência de prisão civil por dívida, resalvando-se as hipóteses do inadimplente voluntário e inescusável de obrigação alimentícia e a do depositário infiel. Cabe sempre considerar a premissa de hermenêutica e aplicação do Direito segundo a qual os dispositivos que encerrem exceção devem ser interpretados de forma estrita. Como, então, agasalhar diploma legal que, mediante jogo de palavras, via aspecto simplesmente formal, discrepante da realidade, acaba por criar uma casta de credores, inserindo no cenário jurídico meio coercitivo de cobrança dos mais impiedosos, como é o cerceio da liberdade de ir e vir? Persistente a óptica daqueles que homenageiam o Decreto-Lei nº 911/66, restará aberta a porta ao legislador ordinário à inclusão de outras hipótese viabilizadoras da prisão civil por dívida.

Diante de tal quadro, defiro a liminar e suspendo, até o julgamento final deste habeas, a eficácia do mandado de prisão expedido contra o Paciente. Solicitem-se informações, dando-se ao Órgão coator o conhecimento desta liminar. (DJU – 17/09/98 – HC nº 77.920-7/SP – medida liminar – Rel. Min. Marco Aurélio – pág.25).

Acontece que enquanto o habeas corpus vai tramitando de instância em instância até chegar às mãos do Ministro Marco Aurélio no Supremo, o cidadão vai apodrecendo na cadeia.

É por essas e por outras que – não temos a menor dúvida – o primeiro e inadiável passo para uma verdadeira reforma do Judiciário seria a adoção da “súmula vinculante”, tornando obrigatória a aplicação das decisões do Supremo por todas as instâncias inferiores, nos casos iguais.

Com isso haveria celeridade nos julgamentos, seriam evitadas muitas injustiças e, sobretudo, se restabeleceria o primado da Lei. Talvez exatamente por ser uma medida de Justiça, beneficiando principalmente os fracos e oprimidos, encontre tanta resistência, tornando-se imensamente difícil, e talvez até impossível, sua aprovação.

Enviar por e-mail Imprimir