A decisão do Supremo

O mundo, atualmente, neste final de século, possui, a bem dizer, três espécies de Direito: 1. o Direito escrito; 2. o direito costumeiro, também chamado direito dos precedentes; e, 3. o direito baseado na realidade histórica (direito histórico). Ou seja: direito da Lei escrita, direito da jurisprudência e direito da observação dos fatos na dinâmica social.

O chamado direito comum – “Common Law” – é praticado na Inglaterra, Estados Unidos e em todos os países que sofreram a influência da cultura inglesa: Austrália, Nova Zelândia, etc. O direito histórico predomina especialmente nos países do bloco socialista: ex-União Soviética, China, etc.

O direito escrito teve sua inspiração máxima no Direito Romano. É um direito formal, meticuloso, e se apoia fundamentalmente na Lei escrita. Essa Lei tem que ser baixada pela autoridade competente, e sua elaboração precisa seguir trâmites e ritos especiais. Todo o sistema jurídico deve estar apoiado e em consonância com a Lei Maior, também chamada de Constituição.

Muito embora mais de dois terços do mundo adotem os direitos costumeiro e histórico, nosso país preferiu permanecer na área do direito romano. Isso, no entanto, não vem impedindo que se vá, pouco a pouco, aderindo ao direito costumeiro. Aqui a cada dia que se passa torna-se maior e mais poderosa a força da jurisprudência dos Tribunais.

Se não, vejamos: Há bem poucos dias o Supremo Tribunal Federal, em decisão memorável, decretou a inconstitucionalidade da cobrança de contribuição previdenciária dos aposentados. Com isso foi barrada medida que já vinha sendo adotada pelo Governo que, no fundo representava, nada mais nada menos, do que uma mera redução das pensões e proventos a que, na forma da Lei, têm direito milhões de cidadãos que dedicaram suas vidas ao trabalho, por dezenas de anos. Pois se o aposentado recebe seu dinheiro do Governo, é óbvio que, se tiver de pagar alguma coisa ao Governo, estará pagando com o próprio dinheiro do Governo.

Num País como o nosso em que os aposentados estão há 5 anos sem reajuste, apesar do custo de vida vir aumentando dia a dia, enquanto, por incrível que pareça, baixa a inflação, qualquer redução salarial constitui, evidentemente, violência e abuso de poder.

O cidadão quando, no ocaso da vida, se aposenta, tem o direito àquilo que os romanos chamavam “ócio com dignidade”, passando a receber seus proventos tranquilamente, sem outras preocupações, a não ser gozar da convivência feliz com amigos e parentes, pensar no passado e aguardar a passagem desta vida para a outra, que se avizinha a passos rápidos.

Nesta hora todos dirigem suas vistas para o Supremo, que soube decidir com sabedoria, e, sobretudo, com humanidade, não se deixando influenciar pelas pressões daqueles que colocam em primeiro lugar números e cifras. Mas vale relembrar outros aspectos.

Esta decisão do Supremo não surgiu do nada. Antes dela dezenas e centenas de Juízes e Tribunais, em toda a vastidão do território nacional, já vinham dando liminares e decidindo pela inconstitucionalidade da matéria. Muitas dessas liminares dos Juízes, e acórdãos dos Tribunais, foram revogados pelos Tribunais Superiores. Mas a idéia, lançada no primeiro grau, germinou, cresceu, e frutificou no Supremo.

Se ainda continuássemos adotando o sistema tradicional, a orientação sobre toda e qualquer questão controvertida viria de cima para baixo. Tanto assim que a grande maioria dos juízes costuma seguir religiosamente as decisões e acórdãos dos Tribunais Superiores, especialmente do Supremo. Realmente é muito mais cômodo e confortável repetir julgados, opiniões e manifestações dos outros – que já pensaram e refletiram – do que partir para um trabalho criador na interpretação dos fatos em confronto com a lei.

Mas eis que a nova geração de magistrados, inconformada e inovadora, observa e apreende as teses, muitas vezes audaciosas, lançadas pelos Advogados – que, no fundo, são os verdadeiros criadores do Direito – endereçando suas idéias peregrinas na defesa dos direitos e interesses dos seus clientes.

No caso dos aposentados, a decisão foi do Supremo, mas nasceu do poder reivindicante dos advogados e da audácia dos magistrados das instâncias inferiores, que, muitas vezes repelidos pela reação, conseguiram chegar à vitória.

Enviar por e-mail Imprimir