Antologia da saudade

Se há um livro gostoso de se ler é, sem favor algum, a “Antologia da Saudade”, de Waldir Vitral. Toca nas cordas mais íntimas da alma humana. Excita o sentimentalismo. Deixa, pode-se dizer, o coração desmanteigado.

Já tive oportunidade de ler várias de suas obras – talvez todas, mesmo – e acredito que tenha chegado ao ponto culminante de sua valiosa produção intelectual neste seu último lançamento.

Logo de início, encontramos: “Li de certa feita que um cientista americano, professor de Biologia, acabava de revelar ao mundo científico e ao mundo em geral, que se pode morrer de saudade, e que o fenômeno é muito mais comum do que se pensa. Morrer de saudade é uma velha expressão literária, em que a morte entra em sentido figurado; porém morrer de saudade no campo da ciência, envolvendo realmente o falecimento de alguém não é muito comum. Descoberta que realmente viria revolucionar a humanidade e o mundo sentimental”.

E acrescenta: “Pesquisando encontrei na poesia, na música e na prosa, poetas, compositores e prosadores cheios de saudades de uma noite de solidão, do perfume da mulher amada, da aurora da vida, do ente querido que se foi, dos dias felizes da infância, do primeiro amor, saudade de tudo na vida… de tudo. De uma espera por uma tarde azul de primavera; de um silêncio, da música de um pé cantando pela escada; de um véu erguido, de uma boca abandonada, de um divã, de um adeus, de uma lágrima e do beijo que não foi dado”.

A partir daí Waldir faz uma minuciosa e aprofundada pesquisa acerca das suas origens, definindo a saudade como “a mais alta palavra da linguagem humana”, segundo Teixeira de Pascoaes.

Mergulha na literatura universal, e, em especial, na brasileira, na portuguesa e na espanhola. Vai longe. Cita autores antiquíssimos, desde os tempos dos gregos e latinos, até chegar à Idade Média, chegando, por fim, à belíssima página de Joaquim Nabuco, quando dizia que “entre todos os vocábulos não deve haver nenhum tão comovente quanto a palavra portuguesa “saudade”. Ela traduz a lástima da ausência, a tristeza das separações, toda a escala de privação de entes ou de objetos amados; é a palavra que se grava sobre os túmulos, a mensagem que se envia aos parentes, aos amigos. E o sentimento que o exilado tem pela pátria, o marinheiro pela família, os namorados um pelo outro, apenas separam-se. Saudade sentimos da nossa casa, dos nossos livros, dos nossos amigos, da nossa infância, dos dias idos”.

Waldir primeiramente mostra a peculiaridade da lingua portuguesa ao adotar essa palavra, citando Alfredo Antunes: “Saudades, só portugueses conseguem sentí-las bem – porque têm essa palavra, para dizer que as têm”.

Como bom jurista que é, Waldir entra na área do “direito comparado”, e comenta: “saudade não é soledad, não é homesickness, não é morriña nem regret; saudade é diferente de nostalgia, de Sehnsucht, de Heimweh, de desiderium, de spleen, de mal de pays. A dór romena, o Hiraeth dos celtas do País de Gales, a asturiana señardad, ou a enyorança catalã, exprimem estados psíquicos de clara conotação saudosa, mas não são a saudade”.

Cita, de Fernando Pessoa: “A saudade galega é preponderantemente unidimensional; centrada no tempo, é inserida numa terra concreta, continental. O seu espaço, porque estático, é fonte mais de reminiscência do que de desejo: é saudade-solidão, saudade da terra. A saudade portuguesa é tridimensional, centrada no espaço, liberta duma terra real. É oceânica, gerada num espaço dinâmico, expressão de complementaridade e religiosa. É, a um tempo, saudade-ausência, saudade-companhia, saudade de amor”.

A partir daí, recolhe o que existe de mais belo na literatura acerca da saudade, formando uma “antologia” no sentido exato da palavra.

Assim, encontramos, do repositório popular:

“Sodade é uma dô que dá

Mas não é dô de doê;

É vontade de alembrá,

Com vontade de esquecê.

É dô de dente e machuca,

Mas onde dói ninguém vê.

E a gente pega e cutuca

Prá não deixá de doê”.

Estão de parabens Waldir Vitral, a Academia Espírito-santense de Letras, e, sobretudo, a literatura capixaba.

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