Contrastes e contradições

Durante muito tempo procurou-se estabelecer uma relação de valor entre danos morais e um preço em dinheiro, pretendendo-se com isso transformar questões morais em questões econômicas.

Como isso seria dificílimo ou quase impossível no Direito Penal, porque poucos disporiam de recursos para indenizar a vida humana, passou-se a adotar os castigos corporais, suplícios e morte.

Falou-se primeiramente na lei do “olho por olho, dente por dente”, mas a justa compensação seria que a vítima recebesse seu olho ou seu dente de volta, porque o fato de arrancar o olho ou o dente do agressor podem servir para saciar o instinto de vingança, não como compensação. Ou então, se se pudesse arrancar o olho do criminoso e colocá-lo no lugar do da vítima.

Com o passar dos tempos foi-se compreendendo que essa vingança pura e simples estava apenas ligada a um instinto selvagem, e o homem passou a compreeender a impossibilidade real de uma justiça absoluta.

Daí chegamos aos sistemas de punibilidade relativa, para, mais recentemente, alcançarmos a fase do chamado Direito Penal Humanitário, em que já não existe mais aquela preocupação central de repressão, retribuição e pagamento do mal com o mal.

A pena passou a ter uma plurifuncionalidade: a pena é o modo de reparação judicial pelo sofrimento, e compensação no culpado, da lesão que causou na vítima e que não pode ser reparada. Tem como objetivos primaciais a prevenção geral e a prevenção especial.

Mas o Estado não é como o particular, que se contenta com a simples reparação. O Estado sempre quis o sofrimento do acusado através da pena.

Nos países socializados e com idéias jurídicas mais avançadas, doutrinadores sustentam hoje a necessidade de o Estado indenizar indistintamente, tanto o ilícito civil como o ilícito penal, como medida de segurança social. Entendem que tanto um como o outro representam o risco da vida em sociedade, que deve ser garantido e tutelado pelo Estado.

Durante certo tempo predominou a teoria que existiriam duas espécies de ilícitos: o crime e o ilícito civil. Da diferença qualitativa de seus tipos se deveria, logicamente, tirar as consequências.

Essa diferença encontrar-se-ia na parte subjetiva, ou seja, na culpabilidade (1); na parte objetiva, isto é, no objeto da ofensa e no modo da ofensa (2).

A mais respeitável das opiniões tendentes para a análise subjetiva, foi a de Hegel. Concebe o ilícito civil como “ilícito simples” – não contém um conflito da vontade individual com o direito em geral. As duas partes no processo civil querem apenas o direito, e litigam unicamente pela compreensão dos fatos no direito. Ao contrário, o crime conteria uma violação consciente do direito como tal. Portanto, todo ilícito doloso seria crime e produziria a necessidade da punição. Ao contrário, pertenceria ao ilícito civil a culpa toda inteira, e todo ilícito inculpável. Esta teoria não está de acordo com os fatos, porque existem crimes culposos, e, presumivelmente, também, ilícito civil doloso.

Chegamos a uma conclusão definitiva na doutrina atual, porque: a) nunca se conseguiu traçar claramente a linha de limites entre o ilícito penal e o ilícito civil; b) o legislador sempre colocou arbitrariamente comportamentos ora como uma ou outra espécie, e muitas vezes alternando suas posições; c) há ilícitos civis que ocasionam danos muito mais sérios do que ilícitos penais; d) há ilícitos civis que são punidos mais gravemente do que ilícitos penais.

Por exemplo: o que deixa de cumprir um contrato civil e causa a quebra de uma empresa, produz prejuízos muitas vezes incalculáveis aos Diretores, acionistas, empregados, ao estado e à própria sociedade. Esse ilícito civil é mil vezes pior do que um pequeno furto que fosse cometido por um funcionário ou freguês, e que constituiria ilícito penal.

Além disso, há inúmeros crimes no Código Penal, aos quais é cominada pena de multa, que não atinge nunca os limites de certas sanções estipuladas em contratos da área do ilícito civil.

Numa época em que tanto se fala em penas alternativas – tema que entrou na moda – não custa nada cogitar-se, também, de transformar muitos ilícitos penais em ilícitos civis, ou pelo menos, condicionar-se a instauração da ação penal à queixa do ofendido, possibilitando o acordo, a compensação e a indenização. Isso se adequaria perfeitamente, em especial, aos crimes contra o patrimônio.

A mera ampliação da área de ações penais dependentes de queixa do ofendido reduziria imensamente o número de processos na Justiça, e, sem dúvida alguma, aliviaria nosso sistema prisional.

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